terça-feira, 1 de junho de 2021

Especificações com potencial de restringir o caráter competitivo da licitação devem ser adequadamente fundamentadas

 

Especificações com potencial de restringir o caráter competitivo da licitação devem ser adequadamente fundamentadas, com base em estudos técnicos que indiquem a sua essencialidade para atender as necessidades do órgão ou da entidade contratante.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico para Registro de Preços 20/2019, conduzido pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal (PRF) e tendo por objeto o fornecimento de equipamentos de proteção individual – EPI (coldres táticos) para os policiais de todas as unidades da PRF, dividido em dois itens: coldres táticos cáqui e preto. Entre as irregularidades suscitadas, a representante informou que, a despeito de sua proposta haver sido classificada provisoriamente em primeiro lugar, acabou sendo ao final desclassificada após análise dos laudos laboratoriais de seu produto na cor preta, o qual não teria atingido o tom de preto exigido nas normas NTPRF109 e 109.1, conforme previsto no edital: “A licitante deverá apresentar os laudos dos ensaios laboratoriais (químicos, físicos e colorimétricos) que comprovem as propriedades dos materiais e insumos empregados, conforme definido na Norma Técnica da Polícia Rodoviária Federal – NTPRF correspondente ao item relacionado na proposta.”. Chamada aos autos, a PRF argumentou que “a normatização da identidade visual da PRF ocorreu com a criação do Manual de Identidade Visual - MIV. O MIV tem por objetivo disciplinar os elementos de comunicação visual que identificam a instituição, estabelecendo seu padrão de utilização, a fim de preservar a coerência dos signos institucionais e fortalecer a imagem da PRF; (...) tendo em vista que não existe uma metodologia padrão para identificação de diferença de tonalidade a olho nu e considerando ser fundamental a manutenção da padronização e evitarmos subjetivismos na análise, foi adotado o espaço de cor CIELAB, que é atualmente o mais popular dos espaços de cores uniformes usados para avaliar as cores; (...) a cor precisa ser expressa de forma objetiva por meio de números para garantir que o produto final esteja de acordo com suas especificações.”. Em sua instrução, a unidade técnica deixou assente que “não se questiona o fato de o órgão ter estabelecido no edital, com base na NTPRF 109.1, parâmetros objetivos para a escolha do modelo que atenda sua necessidade, tampouco a padronização necessária para os itens que compõem os uniformes dos policiais rodoviários federais”, mas o que “merece censura, pois não parece razoável, é desclassificar uma proposta cujo valor será de no mínimo R$ 8.000.000,00 a menos do que a que poderá vir a ser habilitada, com fundamento em uma diferença de coloração que, aparentemente, sequer pode ser identificada pelo olho humano”. Além disso, pesquisa realizada em outros editais para aquisição de coldres táticos por outros órgãos de segurança para a aquisição de bens semelhantes demonstrou que “as especificações de cor se cingem, usualmente, a identificar a cor predominante, sem adentrar em especificações rigorosas e desnecessárias como se viu no presente caso”, indicando assim que a precisão na estipulação da cor não é o principal aspecto a ser perquirido na aquisição. Em seu voto, o relator assinalou que especificações com potencial para restringir o caráter competitivo do certame devem ser objeto de adequada fundamentação baseada em estudos técnicos que indiquem a obrigatoriedade de inclusão de tais regras para atender às necessidades específicas do órgão ou entidade. A despeito de reconhecer a importância de padronização da identidade visual da corporação, ponderou, acompanhando a unidade técnica, que “as exigências de cor, da forma proposta pela PRF, se mostram excessivas e capazes de restringir a competitividade no certame, principalmente quando há no mercado bens similares, de cor praticamente idêntica, que atenderiam às demais especificações de segurança estipuladas pela Administração”. Para ele, não foi trazido os autos “qualquer estudo que justifique a imperatividade de especificar cores com a precisão registrada da NTPRF 109.1, referência técnica para o pregão eletrônico sob análise”. E arrematou: “não foram apresentadas justificativas para que nuances de cor permitam a rejeição de produtos que atendam todas as demais especificações previstas na referida norma técnica, mormente quando praticados valores significativamente inferiores aos demais fornecedores”. Nos termos da proposta do relator, o Plenário decidiu determinar ao órgão o “retorno de fase no pregão 20/2019, para retomada do julgamento da proposta da empresa representante, mediante a solicitação de apresentação de amostras dos produtos ofertados para inspeção visual, em consonância com o critério da economicidade definido no art. 70 da Constituição Federal, com o objetivo da seleção da proposta mais vantajosa (art. 3º da Lei 8.666/1993 c/c art. 9º da Lei 10.520/2002), os princípios da razoabilidade e proporcionalidade (art. 2º do Decreto 10.024/2019) e com a vedação de especificações excessivas (art. 3º, II, da Lei 10.520/2002)”. O Pleno também decidiu cientificar o órgão das seguintes impropriedades: I) “ausência de levantamento de mercado nos estudos preliminares, com indicação dos fabricantes e modelos que atenderiam às especificações técnicas contidas no edital do PE 20/2019 e na NTPRF 109.1, de forma a afastar requisitos potencialmente restritivos e possível direcionamento do certame para determinado produto/fabricante, contrariando o anexo III, item 3.3, alínea ´f´ da Instrução Normativa Seges/MPDG 5/2017”; e II) “inexistência de demonstração de pertinência entre a o nível de especificação da tonalidade da cor preta, na forma como procedido, e a finalidade de garantir a harmonia da imagem visual do conjunto das peças que compõem os uniformes e equipamentos de proteção individual dos policiais da instituição”.

Acórdão 1973/2020 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Weder de Oliveira.