Especificações com potencial de
restringir o caráter competitivo da licitação devem ser adequadamente
fundamentadas, com base em estudos técnicos que indiquem a sua essencialidade
para atender as necessidades do órgão ou da entidade contratante.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico para
Registro de Preços 20/2019, conduzido pelo Departamento de Polícia Rodoviária
Federal (PRF) e tendo por objeto o fornecimento de equipamentos de proteção
individual – EPI (coldres táticos) para os policiais de todas as unidades da
PRF, dividido em dois itens: coldres táticos cáqui e preto. Entre as
irregularidades suscitadas, a representante informou que, a despeito de sua
proposta haver sido classificada provisoriamente em primeiro lugar, acabou
sendo ao final desclassificada após análise dos laudos laboratoriais de seu
produto na cor preta, o qual não teria atingido o tom de preto exigido nas
normas NTPRF109 e 109.1, conforme previsto no edital: “A licitante deverá apresentar os laudos dos ensaios laboratoriais
(químicos, físicos e colorimétricos) que comprovem as propriedades dos
materiais e insumos empregados, conforme definido na Norma Técnica da Polícia
Rodoviária Federal – NTPRF correspondente ao item relacionado na proposta.”.
Chamada aos autos, a PRF argumentou que “a
normatização da identidade visual da PRF ocorreu com a criação do Manual de
Identidade Visual - MIV. O MIV tem por objetivo disciplinar os elementos de
comunicação visual que identificam a instituição, estabelecendo seu padrão de
utilização, a fim de preservar a coerência dos signos institucionais e
fortalecer a imagem da PRF; (...) tendo em vista que não existe uma metodologia
padrão para identificação de diferença de tonalidade a olho nu e considerando
ser fundamental a manutenção da padronização e evitarmos subjetivismos na
análise, foi adotado o espaço de cor CIELAB, que é atualmente o mais popular
dos espaços de cores uniformes usados para avaliar as cores; (...) a cor
precisa ser expressa de forma objetiva por meio de números para garantir que o
produto final esteja de acordo com suas especificações.”. Em sua instrução,
a unidade técnica deixou assente que “não
se questiona o fato de o órgão ter estabelecido no edital, com base na NTPRF
109.1, parâmetros objetivos para a escolha do modelo que atenda sua
necessidade, tampouco a padronização necessária para os itens que compõem os
uniformes dos policiais rodoviários federais”, mas o que “merece censura, pois não parece razoável, é
desclassificar uma proposta cujo valor será de no mínimo R$ 8.000.000,00 a
menos do que a que poderá vir a ser habilitada, com fundamento em uma diferença
de coloração que, aparentemente, sequer pode ser identificada pelo olho humano”.
Além disso, pesquisa realizada em outros editais para aquisição de coldres
táticos por outros órgãos de segurança para a aquisição de bens semelhantes
demonstrou que “as especificações de cor
se cingem, usualmente, a identificar a cor predominante, sem adentrar em
especificações rigorosas e desnecessárias como se viu no presente caso”,
indicando assim que a precisão na estipulação da cor não é o principal aspecto
a ser perquirido na aquisição. Em seu voto, o relator assinalou que
especificações com potencial para restringir o caráter competitivo do certame
devem ser objeto de adequada fundamentação baseada em estudos técnicos que
indiquem a obrigatoriedade de inclusão de tais regras para atender às
necessidades específicas do órgão ou entidade. A despeito de reconhecer a
importância de padronização da identidade visual da corporação, ponderou,
acompanhando a unidade técnica, que “as
exigências de cor, da forma proposta pela PRF, se mostram excessivas e capazes
de restringir a competitividade no certame, principalmente quando há no mercado
bens similares, de cor praticamente idêntica, que atenderiam às demais
especificações de segurança estipuladas pela Administração”. Para ele, não
foi trazido os autos “qualquer estudo que
justifique a imperatividade de especificar cores com a precisão registrada da
NTPRF 109.1, referência técnica para o pregão eletrônico sob análise”. E
arrematou: “não foram apresentadas
justificativas para que nuances de cor permitam a rejeição de produtos que
atendam todas as demais especificações previstas na referida norma técnica,
mormente quando praticados valores significativamente inferiores aos demais
fornecedores”. Nos termos da proposta do relator, o Plenário decidiu
determinar ao órgão o “retorno de fase no
pregão 20/2019, para retomada do julgamento da proposta da empresa
representante, mediante a solicitação de apresentação de amostras dos produtos
ofertados para inspeção visual, em consonância com o critério da economicidade
definido no art. 70 da Constituição Federal, com o objetivo da seleção da
proposta mais vantajosa (art. 3º da Lei 8.666/1993 c/c art. 9º da Lei
10.520/2002), os princípios da razoabilidade e proporcionalidade (art. 2º do
Decreto 10.024/2019) e com a vedação de especificações excessivas (art. 3º, II,
da Lei 10.520/2002)”. O Pleno também decidiu cientificar o órgão das
seguintes impropriedades: I) “ausência de
levantamento de mercado nos estudos preliminares, com indicação dos fabricantes
e modelos que atenderiam às especificações técnicas contidas no edital do PE
20/2019 e na NTPRF 109.1, de forma a afastar requisitos potencialmente restritivos
e possível direcionamento do certame para determinado produto/fabricante,
contrariando o anexo III, item 3.3, alínea ´f´ da Instrução Normativa
Seges/MPDG 5/2017”; e II) “inexistência
de demonstração de pertinência entre a o nível de especificação da tonalidade
da cor preta, na forma como procedido, e a finalidade de garantir a harmonia da
imagem visual do conjunto das peças que compõem os uniformes e equipamentos de
proteção individual dos policiais da instituição”.
Acórdão
1973/2020 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Weder de
Oliveira.