quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE - SANÇÃO INIDONEIDADE

 

Não é cabível a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade a empresa que pratica irregularidade no âmbito de procedimento de manifestação de interesse (PMI), regulamentado pelo Decreto 8.428/2015. Esse procedimento, apesar de possuir semelhanças com a fase interna de uma licitação, não se confunde com o certame que poderá vir a sucedê-lo, razão pela qual não é possível valer-se de interpretação extensiva para aplicação da sanção prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992.

Representação formulada por unidade técnica do TCU, a partir de documentos compartilhados pela Polícia Federal, apontou possível irregularidade no Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) 11/2015, realizado pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA) com vistas à apresentação de estudos de viabilidade técnica a fim de subsidiar a concessão pública das rodovias BR-101/290/386/448/RS, denominadas de Rodovias de Integração do Sul. A representante noticiou que a empresa autorizada pelo Ministério a elaborar aqueles estudos teria praticado atos com o fito de obter vantagem competitiva sobre os demais concorrentes, quando do futuro procedimento licitatório da concessão. Havia evidências de que a empresa teria manipulado indevidamente os estudos objeto do PMI 11/2015, apresentados ao MTPA, a exemplo da formulação de soluções de engenharia superiores às efetivamente necessárias, fixação de critérios e parâmetros concernentes aos estudos de tráfego desfavoráveis e manipulação de dados de cadastro de pavimento, bem como na superestimava da necessidade de manutenção. Tudo isso levaria à majoração dos custos e investimentos a serem dispendidos nas rodovias ao longo do período de concessão. Considerando que os atos investigados poderiam configurar fraude à licitação, propensos a ensejar a penalidade de declaração de inidoneidade prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992, a unidade técnica, autorizada pelo relator, promoveu a audiência da empresa que realizou os estudos. Ao apreciar as razões de justificativa oferecidas, o relator destacou, preliminarmente, que os atos praticados revelavam sim a intenção da empresa de se beneficiar futuramente da licitação, pois, ao manipular diversos critérios de entrada para valoração do negócio, como as condições atuais do pavimento e o volume de tráfego, ou a inclusão de itens cuja previsão estava superavaliada, tinha ela conhecimento de que, na execução do contrato, poderia efetuar intervenções menos robustas, ou mesmo apresentar proposta mais fidedigna às reais condições da rodovia e dos serviços que seriam necessários após a celebração do contrato. Segundo o relator, verificou-se que, de fato, “os estudos de viabilidade se basearam em dados alterados, quais sejam, o de volume de tráfego e de dados cadastrais do pavimento”. Ele também pontuou que esses dados não foram alterados por erro, mas sim com a intenção de obter vantagem em futura licitação, e que a intenção fora evidenciada “pelas correspondências eletrônicas dos funcionários da empresa”. Salientou não vislumbrar “outra interpretação desses registros senão a manipulação intencional dos estudos” pela empresa. E arrematou: “Ainda que se considere que o estudo de viabilidade é um elemento preliminar de projeto, com nível de detalhamento muito inferior ao projeto básico e, por isso, sujeito a diversas alterações e revisões, os registros apontados não se enquadram nesse contexto”. Não obstante concluir pela manipulação dos estudos, no que concerne à possibilidade de aplicar a sanção de declaração de inidoneidade à empresa, anuiu às conclusões externadas pelo representante do Ministério Público junto ao TCU (MPTCU), instado a se manifestar nos autos. O relator enfatizou que o MPTCU, em seu parecer, asseverara que, apesar de objetivos assemelhados, “os atributos da publicidade do chamamento público de estudos e da inerente participação de terceiros externos à Administração no âmbito do PMI se mostram incompatíveis com a fase interna de uma licitação, a qual deve processar-se exclusivamente no âmbito do Poder Público”. Assinalou também que o MPTCU, ao invocar o Decreto 8.428/2015, o qual regulamenta o procedimento de manifestação de interesse, deixara assente que essa norma caracteriza o PMI como “procedimento próprio, autônomo, desvinculado da licitação que sobrevirá, sendo realizado, como visto acima, mediante processo de chamamento público”, não se confundindo com o certame da concessão, haja vista possuírem “objeto, obrigações, vigência e regulamentação próprios”. E que, apesar das semelhanças do PMI com a fase interna da licitação, o MPTCU defendera “não ser adequado utilizar-se de analogia para aplicar o art. 46 da Lei 8.443/1992, promovendo interpretação extensiva para fins de aplicação de sanção”. Assim, de acordo com o MPTCU, “apesar de algumas semelhanças, existem peculiaridades que impedem a equiparação do PMI a um procedimento licitatório” e “por certo que os princípios e preceitos gerais da Lei 8.666/93 devem incidir no instituto, porém, para fins da aplicação de sanções, a interpretação das normas deve sempre seguir outro caminho, cabendo ponderar as muitas diferenças entre o PMI e as licitações e contratos em geral(destaque no original). Destarte, o MPTCU concluira que o PMI não configura procedimento licitatório, nem mesmo lato sensu, e que “as diferenças existentes em relação a um procedimento licitatório propriamente dito fazem com que os resultados de eventual ação fraudulenta sejam significativamente diversos dos que seriam obtidos em uma licitação”. O relator entendeu assistir inteira razão ao Parquet especializado, isso porque o PMI “é conduzido por meio de procedimento completamente autônomo da licitação que o sucederá. Trata-se de autorização precária, que não gera exclusividade, direito de preferência, obrigação de realização de licitação ou mesmo direito ao ressarcimento dos valores despendidos”. Chamou também a atenção, em seu voto, para o fato de que a Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) veio a caracterizar o PMI como procedimento auxiliar das licitações e manteve o caráter precário desse instrumento. E que a Administração “tem a possibilidade de previamente ao ressarcimento analisar os dados e estudos realizados, o que foi feito no caso concreto, e fazer o juízo próprio de conveniência, oportunidade e adequação de sua utilização em um futuro certame”. Na sequência, frisou que, em que pese concordar ter havido manipulação dos dados e estudos, o fato é que a Administração adotou as cautelas necessárias, de modo que não houve repercussões na concessão que foi levada a efeito. Por derradeiro, realçou que a Lei 14.133/2021 tipifica o crime de “omitir, modificar ou entregar à Administração Pública levantamento cadastral ou condição de contorno em relevante dissonância com a realidade, em frustração ao caráter competitivo da licitação ou em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública” em procedimento de manifestação de interesse (art. 337-O do Decreto-lei 2.848/1940) de forma distinta das tipificações alusivas à fraude a licitação (arts. 337-F, 337-I e 337-L do Decreto-lei 2.848/1940), o que, a seu ver, corrobora essa distinção entre o PMI, como procedimento auxiliar, e a licitação propriamente dita. Assim sendo, acolhendo a manifestação do MPTCU, o relator propôs e o colegiado decidiu que não era aplicável ao caso a imputação da penalidade prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992, sem prejuízo de dar ciência do acórdão proferido ao departamento de Polícia Federal, à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República.

Acórdão 2613/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Bruno Dantas.