COMENTÁRIO 64 (Artigo 64 da Lei 14.133/21)
Lei Comentada
LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021
Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Art. 64. Após a entrega dos documentos
para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos,
salvo em sede de diligência, para:
I - complementação de informações acerca
dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para
apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II - atualização de documentos cuja validade
tenha expirado após a data de recebimento das propostas.
§ 1º Na análise dos documentos de
habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não
alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho
fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins
de habilitação e classificação.
§ 2º Quando a fase de habilitação
anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de
licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos
supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.
Comentários:
Esse artigo 64 foi citado no Acórdão 988/21,
do Tribunal de Contas da União, o que nos revela a tendência daquele tribunal
na interpretação do que seria a proibição de “apresentação de novos documentos” de que dispõe o supracitado
artigo.
Numa representação junto ao TCU, foi
verificado que o pregoeiro inabilitou uma empresa porque a mesma não apresentou
dois documentos exigidos no edital: o atestado de visita técnica ou a
declaração formal do conhecimento das condições locais de trabalho e a
declaração da concordância com as disposições do instrumento convocatório e de
seus anexos, garantindo o prazo de validade dos preços e condições da proposta.
Entre as alegações do órgão está a de que foi seguida a legislação,
especialmente os arts. 26, § 9º, 38, § 2º, e 43, § 2º, do Decreto 10.024/2019,
dispositivos que, segundo o órgão patrocinador da licitação, “vedam a anexação extemporânea de documentos
de habilitação”.
Em seu voto, no que diz respeito aos
documentos faltantes, o relator destacou que “a despeito de sua
relevância, são meras manifestações e compromissos, sendo sua ausência,
portanto, de saneamento simples e célere”. (...) “a simples verificação
da natureza dos documentos faltantes permite concluir, sem que restem dúvidas,
que estes últimos preceitos (formalismo
moderado e razoabilidade) devem
prevalecer”. Ainda, segundo o relator, “conquanto seja
fundamental no Direito Administrativo, o princípio da legalidade não é absoluto” e,
no caso concreto, “parece-me claro que sua aplicação irrestrita operou
contra a obtenção da melhor proposta e do alcance do interesse público, sendo
apropriado ponderar a aplicação da salutar flexibilização do formalismo”.
Citou o art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei 9.784/1999, o qual
estabelece como um dos critérios a serem observados em processos
administrativos a “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de
obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente
necessárias ao atendimento do interesse público”. O relator pontuou ainda
que a aplicação do formalismo moderado e da razoabilidade não consistiria, em
absoluto, afronta à isonomia, pois “o licitante que comete erro sanável
e o corrige tempestivamente terá, ao fim dos procedimentos licitatórios,
demonstrado, nos termos do edital, sua capacidade de cumprir o objeto, da mesma
forma de outro participante que tenha seguido integralmente os requisitos do
instrumento convocatório desde a apresentação inicial da documentação”.
Acrescentou que o entendimento por ele externado seria harmônico com diversas e
recentes deliberações do Plenário, a exemplo dos Acórdãos 2673/2021, 2528/2021, 1636/2021 e 1211/2021. Em relação a esta última deliberação, o relator transcreveu o
seguinte excerto do voto condutor: “Admitir a juntada de documentos que
apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do
certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o
oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida
oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta,
resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do
processo (meio) sobre o resultado almejado (fim). O pregoeiro, durante as fases
de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou
falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua
validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível
aos licitantes (...); sendo que a vedação à inclusão de novo documento,
prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de
Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de
condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi
juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por
equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.”.
Para o relator, seria exatamente essa a hipótese dos autos, uma vez “ambas
as declarações ausentes retratariam condição anterior à sessão do pregão e
poderiam ser prontamente elaboradas e entregues”. E arrematou: “Enfim,
na minha compreensão, de fato, o formalismo exacerbado do pregoeiro gerou a
desclassificação indevida da ora representante”. Ao final, propôs e foi
acolhida pelo colegiado, que o órgão público se abstivesse de prorrogar o
contrato em andamento e que a entidade fosse cientificada que “nos
casos em que os documentos faltantes relativos à habilitação em pregões forem
de fácil elaboração e consistam em meras declarações sobre fatos preexistentes
ou em compromissos pelo licitante, deve ser concedido prazo razoável para o
devido saneamento, em respeito aos princípios do formalismo moderado e da
razoabilidade, bem como ao art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999”.
Acórdão 988/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Antonio
Anastasia. Fonte: TCU: INFORMATIVO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS
Este Acórdão deixa assente o entendimento
de que o procedimento licitatório é apenas um instrumento para a consecução,
pela Administração, do interesse público. A finalidade de tudo é o interesse
público. Um certame licitatório não deve se regular pelo extremismo formal que
acaba por desviar a competição do foco central que é a satisfação do interesse
público. Assim, a eficiência, a moderação, a razoabilidade, a superioridade do
interesse público e o fato de se poder sopesar princípios impedem o cumprimento
rigoroso das formalidades e permitem que se incluam, ainda que não apresentados
oportunamente, documentos faltantes numa licitação.
Agora vejamos o inciso III do artigo 12.
Esse inciso vai ao encontro do que preceitua o § 1º do art. 64:
III - o desatendimento de exigências
meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante
ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da
licitação ou a invalidação do processo;
Aqui, temos a busca da verdade real. Para
entende-la, precisamos fazer algumas perguntas: o que é a verdade? O que é a
verdade material, real e o que é a verdade formal?
A verdade é uma interpretação mental da
realidade transmitida pelos sentidos, confirmada por outros seres humanos com
cérebros normais e despidos de preconceitos (desejo de crer que algo seja
verdade), e confirmada por equações matemáticas e linguísticas formando um
modelo capaz de prever acontecimentos futuros diante das mesmas coordenadas.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Verdade
A Verdade material,
real é a adequação entre o que é e o que é dito ou mostrado
num determinado momento em um determinado processo.
A Verdade formal é
a verdade do que está contido em um processo mesmo que não espelhe a verdade
material, real.
O que me é admirável é a busca, também no
Direito Administrativo, pela verdade real. A realização de diligência prevista
no §2º do artigo 42, no §2º do Art. 59 e no art. 64, todos da Nova Lei
14.133/21, é prova inconteste dessa busca nos processos administrativos. O
afastamento do formalismo exagerado e o patrocínio do princípio da formalidade
moderada, coroada no § 1º do art. 64 também vai nessa direção.
O inciso
III do artigo 12, o qual estamos nos debruçando agora, vem de forma contundente
afastar o FORMALISMO EXAGERADO quando prescreve que,
III - o desatendimento de
exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do
licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu
afastamento da licitação ou a invalidação do processo;
O Tribunal de Contas da União tem dado
ênfase bastante significativa nesse sentido. Veja esse excelente artigo editado
por Franklin Brasil:
O TCU emitiu o Acórdão
n. 1211/2021-P, com a seguinte ementa:
Admitir a juntada de documentos que
apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do
certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o
oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida
oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta,
resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do
processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).
O pregoeiro, durante as fases de
julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas
que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade
jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos
licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea “h”; 17, inciso VI; e
47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento,
prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de
Licitações (Lei 14.133/2021), NÃO ALCANÇA documento ausente, comprobatório de
condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi
juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por
equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
Era um pregão eletrônico. O pregoeiro
permitiu envio de documentos após a sessão pública.
Auditor do TCU entendeu que isso era
errado, fundamentando em jurisprudência do Tribunal.
A direção da Selog discordou. Quis
debater o assunto com a Seges/ME.
A Seges/ME discordou da Selog. Defendeu
que o fornecedor não teria incentivo para estudar o edital, podendo sanear
documentos depois da sessão pública.
O Relator, Walton Alencar, ponderou a
vasta jurisprudência do Tribunal no sentido de que o edital não constitui um
fim em si mesmo.
Com isso, defendeu que a vedação à
inclusão de documento “que deveria constar originariamente da proposta”,
prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993, deve se restringir ao que o
licitante não dispunha materialmente no momento da licitação.
Isso porque admitir a juntada de
documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da
sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre
as licitantes.
Além disso, para o Relator, com quem
concordo, a Lei 10.520/2002, ao descrever a fase externa do pregão presencial,
não proíbe a complementação da documentação de habilitação, tampouco veda a
inclusão de novo documento.
Ratificando esse entendimento, o art.
64, inciso I, da Lei 14.133/2021 admite expressamente a possibilidade de
diligência para a complementação de informações necessárias à apuração de fatos
existentes à época da abertura do certame. É isso que valerá daqui pra frente,
espero.
Fiquei, confesso, emocionado com a
leitura desse julgado. Primeiro, pela lucidez da conclusão, com a qual concordo
e cujo argumento já defendo há tempos, como consta da postagem no Nelca que
cito a seguir. Também me emocionou o saudável e frutífero debate de ideias e
posições dentro e fora do TCU. Isso é o que se espera de uma Administração
Pública profissional, madura e consciente.
Torço para que essa visão se consolide
em nossas repartições, hoje já não mais tão restritas às paredes que outrora
nos limitavam, físicas e filosóficas. A visão de que compra pública não é um
mero procedimento burocrático movido a Direito. Isso está longe de representar
desprezo pelas regras e normas que regem a matéria. Mas é o reconhecimento de
que, embora relevantes, as regras são apenas o meio para atingir o fim, esse,
sim, primordial, de conduzir ao melhor resultado para a sociedade.
Por Franklin Brasil
Cabe, ao bom condutor dos procedimentos
administrativos, promover essa busca da verdade real, com muita
responsabilidade, com o fim único de selecionar a melhor proposta.
Desclassificar propostas de licitante com
base em meras formalidades é ir de encontro com o pensamento moderno da
interpretação das normas. Não se deve restringir, e sim, ampliar a
competitividade e, consequentemente, buscar, atendidas as condições do edital,
a proposta mais vantajosa.
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO
NÚMERO DO
ACÓRDÃO
RELATOR
AUGUSTO SHERMAN
PROCESSO
TIPO DE
PROCESSO
REPRESENTAÇÃO (REPR)
DATA DA SESSÃO
06/10/2021
NÚMERO DA ATA
OS EFEITOS
DESSE ACÓRDÃO PODEM TER SIDO AFETADOS
POR
DECISÃO JUDICIAL
Decisão |
Autor |
LANDTEC CONSULTORIA AMBIENTAL E SERVICOS DE CONSTRUCAO CIVIL LTDA |
INTERESSADO /
RESPONSÁVEL / RECORRENTE
3. Interessado/Representante:
3.1. Interessado: Centro de Controle Interno da Aeronáutica.
3.2. Representante: Delurb Ambiental Ltda. (CNPJ: 24.219.106/0001-49).
ENTIDADE
Comando da Aeronáutica.
REPRESENTANTE
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Não atuou.
UNIDADE TÉCNICA
Secretaria de Controle Externo de
Aquisições Logísticas (Selog).
REPRESENTANTE
LEGAL
Bruno Gomes Pessoa Mendes
(166842/OAB-RJ), representando Delurb Ambiental Ltda.
ASSUNTO
Representação sobre possíveis
irregularidades em pregão eletrônico para contratação de empresa especializada
na prestação de serviços de coleta, transporte e destinação final de resíduos
para a Odontoclínica de Aeronáutica do Aeroporto Santos Dumont.
SUMÁRIO
REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE CAUTELAR.
IRREGULARIDADES NO PREGÃO ELETRÔNICO 45/2020 PROMOVIDO PELO GRUPAMENTO DE APOIO
DO RIO DE JANEIRO DO COMANDO DA AERONÁUTICA. CAUTELAR E DETERMINAÇÃO DE OITIVA.
PROCEDÊNCIA PARCIAL DA REPRESENTAÇÃO. REVOGAÇÃO DA CAUTELAR E DETERMINAÇÃO AO
GAP-RJ PARA QUE PROMOVA A ANULAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE REFORMOU A
DECISÃO DO PREGOEIRO QUANTO À HABILITAÇÃO DA LICITANTE DELURB, QUE OFERTOU O
MENOR PREÇO, COM A CONSEQUENTE HABILITAÇÃO DA REFERIDA EMPRESA. CIÊNCIA.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes
autos de Representação com pedido de medida cautelar, por meio da qual a
licitante Delurb Ambiental Ltda. noticiou a este Tribunal alegadas
irregularidades que teriam ocorrido no Pregão Eletrônico 45/2020, promovido pelo
Grupamento de Apoio do Rio de Janeiro do Comando da Aeronáutica - UASG 120039,
cujo objeto é a contratação de empresa especializada na prestação de serviços
de coleta, transporte e destinação final de resíduos para a Odontoclínica de
Aeronáutica do Aeroporto Santos Dumont,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de
Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo
Relator, em:
9.1. conhecer da representação,
satisfeitos os requisitos de admissibilidade constantes dos arts. 235 e 237, VII,
do Regimento Interno deste Tribunal, e no art. 103, § 1º, da Resolução - TCU
259/2014, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente;
9.2. revogar a medida cautelar adotada,
mediante o Acórdão 1636/2021-TCU-Plenário;
9.3. determinar ao Grupamento de Apoio
do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 4º, inciso I da Resolução - TCU
315/2020, que, no prazo de quinze dias, adote providências quanto ao item abaixo,
e informe ao TCU os encaminhamentos realizados:
9.3.1. promova a anulação da decisão da
autoridade competente que reformou a decisão do pregoeiro quanto à habilitação
da licitante Delurb Ambiental Ltda. no Pregão 45/2020, que ofertou o menor
preço, com a consequente habilitação da citada Empresa, tendo em vista que a
apresentação, em sede de diligência, do CAT 24097/2021 pela Empresa Delurb,
emitido em 9/3/2021, destinado a atestar condição preexistente à abertura da
sessão pública, não se configura motivo plausível para a inabilitação do
licitante, conforme entendimento firmado no Acórdão 1211/2021-TCU-Plenário, Relator
Ministro Walton Alencar Rodrigues;
9.4. dar ciência ao Grupamento de Apoio
do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução-TCU
315/2020, sobre a seguinte impropriedade/falha, identificada no Pregão 45/2020,
para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras
ocorrências semelhantes:
9.4.1. a exigência, contida no item
5.1.1, alínea "a", do Termo de Referência, de apresentação de
atestados de capacidade técnico-profissional em relação a todos os itens da
planilha, e não somente das parcelas de maior relevância e valor significativo,
está em desacordo com art. 30, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993;
9.5. dar ciência desta deliberação à
representante e ao Grupamento de Apoio do Rio de Janeiro; e
9.6. arquivar os presentes autos, nos
termos do art. 169, inciso V, do Regimento Interno/TCU, sem prejuízo de que a
Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog) monitore a
determinação supra.
QUÓRUM
13.1. Ministros presentes: Ana Arraes (Presidente), Walton Alencar Rodrigues,
Benjamin Zymler, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro, Bruno
Dantas, Vital do Rêgo e Jorge Oliveira.
13.2. Ministros-Substitutos presentes: Augusto Sherman Cavalcanti (Relator),
Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira.
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A QUESTÃO FOI PARA O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
VEJA O RESULTADO:
MANDADO DE SEGURANÇA 38.297
DISTRITO FEDERAL
Trata-se de mandado de segurança com pedido de liminar
impetrado por Landtec Consultoria Ambiental e Serviços de Construção Civil
Ltda. contra ato do Tribunal de Contas da União – TCU proferido no Processo TC
016.670/2021-3 (Acórdão 2.443/2021-TCU-Plenário), por meio do qual se
determinou ao Grupamento de Apoio do Rio de Janeiro do Comando da Aeronáutica
que promova a habilitação da licitante Delurb Ambiental Ltda. no Pregão
42/2020.
Na inicial, narra-se o seguinte:
“A empresa autora participou no dia
14/12/2020, às 10h, do Pregão Eletrônico nº 45/2020, cujo objeto é a escolha da
proposta mais vantajosa para a contratação de empresa especializada na
prestação de serviços de coleta, transporte e destinação final de resíduos para
a ODONTOCLÍNICA DE AERONÁUTICA DO SANTOS DUMONT (OASD), conforme condições,
quantidades e exigências estabelecidas no respectivo Edital e seus anexos.
No decorrer da licitação a empresa DELURB
foi equivocadamente declarada vencedora de todos os sete itens contidos no
Edital, quais sejam, serviço de Recolhimento de resíduos CLASSE II-B, CLASSE
II-A, CLASSE B, CLASSE I, grupos A e E, Efluentes, Lâmpadas e Recicláveis.
Ocorre que no dia 07/06/2021 a empresa
DELURB fora inabilitada em virtude do teor da Nota Técnica nº
003.005.2021/AJUR_SAAC/DECEA, juntada em anexo, que se posiciona e afirma que a
empresa violou o art. 26 do Decreto 10.024/2019 (Regulamenta o pregão) em
virtude da inserção de documento novo, quando já não mais seria lícito fazê-lo,
por expressa determinação normativa.
Ato contínuo, a empresa FGP ANDRADE
TRANSPORTES E LOCACAO LTDA foi convocada, porém teve sua proposta recusada no
dia 29/06/2021 pelo seguinte motivo:
‘conforme Parecer Técnico, o qual concluiu
que o rateio alegado procede, entretanto, as discrepâncias de custos informados
para o mesmo serviço, e na mesma proposta, não se justificariam, como por
exemplo: Mão de Obra de anual na síntese de custo- R$ 642,26, e Mão de Obra
anual detalhada - R$ 2.795,53’.
Logo em seguida, no dia 30/06/2021 a
empresa autora foi convocada para enviar a proposta, mas no dia 09/07/2021 foi
informada que sessão seria suspensa por 15 dias devido a medida cautelar uma
vez que fora interposta representação no TCU.
No dia 18/10/2021 a DELURB foi novamente
habilitada pelo seguinte motivo:
‘Motivo: Informo que tendo em vista a
publicação do ACÓRDÃO Nº 2443/2021 – TCU – Plenário, a referida proposta será
aceita e habilitada.’
O referido Acórdão foi prolatado em
sentido diametralmente oposto aos pareceres técnicos da assessoria jurídica da
Aeronáutica para aceitar o CAT 24097/2021 com a justificativa de atestar
condição preexistente à abertura da sessão pública, utilizando para tanto o
acórdão 1211/2021 – TCU/Plenário, como referência” (págs. 2-3 da inicial).
Nesse contexto, a impetrante aponta que o acórdão do TCU,
ao afastar a inabilitação da empresa Delurb Ambiental Ltda., desrespeitou o
disposto nos arts. 26 do Decreto 10.024/2019 e 43, § 3º, da Lei 8.666/2002, uma
vez que
“o Pregão nº 45/2020 fora realizado no dia
14/12/2020 às 10:00h, essa era a data e horário limites para envio da
documentação exigida em edital.
Ocorre que a empresa DELURB, em total
afronta aos art. 26 do Decreto 10.024/2019 e ao art. 43, § 3º, da Lei
8.666/1993, enviou o atestado registrado no CREA-RJ sob o CAT nº 24097/2021 no
dia 11/03/2020 às 15:18h, razão pela qual esse documento não deveria ter sido
aceito e, como consequência, a empresa desclassificada.
Nesse sentido, a empresa autora junta em
anexo os dois pareceres técnicos da assessoria da Aeronáutica que corroboram
todo o exposto.
Ocorre que a empresa Delurb impetrou
representação no Tribunal de Contas da União, TC nº 016.670/2021-3, que
culminou no acórdão nº 2443/2021.
[…]
Importante salientar que esse
posicionamento não merece prosperar uma vez que a própria DELURB já deveria ter
anexado todos os documentos necessários à comprovação da aptidão do serviço no
momento adequado, repita-se, até a data e o horário estabelecidos para abertura
da sessão pública, ou seja, até 14/12/2020 às 10:00h, atendendo ao disposto na
legislação citada.
Como se não bastasse a extemporaneidade da
juntada do atestado registrado no CREA-RJ sob o CAT nº 24097/2021, o qual fora
enviado via ComprasNet em 11/03/2020 às 15:18h, portanto, em data posterior ao
início do Pregão, verifica-se que consta do próprio CAT nº 24097/2021 que a ART
nº 2020210041697 foi PAGA em 03/03/2021, quando a fase de lances do Pregão nº
45/2020 já havia sido finalizada.
Ou seja, a situação que a empresa pleiteia
ser comprobatória de sua habilitação no certame foi constituída em momento
posterior ao determinado pela legislação do Pregão, devendo ser, para fins de
direito, considerado documento novo e, portanto, insuscetível de ser juntado e
analisado no âmbito da licitação.
Tal fato demonstra que a empresa não tinha
anexado o documento até a data e o horário estabelecidos para abertura da
sessão pública, que ocorreu em 14/12/2020 às 10h, justamente porque não tinha
registrado o atestado referente ao Condomínio Sete de Setembro no CREA/RJ, bem
como resta claro que a DELURB pagou a ART em data posterior ao início do
Pregão.
Em apertada síntese, a empresa DELURB só
não anexou o CAT nº 24097/2021 na documentação enviada no dia 14/12/2020
justamente porque nessa data não possuía o CAT nº 24097/2021 registrado no
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia CREA da região em que estava
vinculado o profissional, violando, portanto, o item 5.1.1 do Termo de
Referência” (págs. 4-6 da inicial).
Afirma estarem presentes os requisitos para a concessão de
medida liminar, nesses termos:
“O perigo da demora resta caracterizado
uma vez que, tendo chegado a termo a licitação objeto da presente Ação, com a
habilitação ilegal da licitante DELURB AMBIENTAL LTDA, corre-se o risco de se
concretizar um ajuste contratual maculado desde seu nascedouro, com claro vício
na origem. A própria Lei 8.666/1993 informa, em seu art. 39, parágrafo segundo,
que ‘a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato.’
Portanto, a manutenção do ato terá como
reflexo um contrato nulo de pleno direito, em afronta aos princípios regedores
da atividade administrativa e ao ordenamento vigente.
A fumaça do bom direito resta amplamente
comprovada em face da precisa legislação colacionada e dos anexos apresentados,
e de acordo com o demonstrado no item anterior” (pág. 9 da inicial).
Por fim, requer:
“3 A concessão da medida liminar
determinando a volta de fase do Pregão Eletrônico 45/2020 e, consequente, a
desclassificação da empresa DELURB AMBIENTAL LTDA, bem como prosseguimento do
certame com a convocação da licitante subsequente LANDTEC;
4 Caso o contrato já tenha sido assinado,
requer a
SUSPENSÃO dos efeitos para que não haja
qualquer prejuízo à Organização Militar;
5 A confirmação da liminar, com a concessão
da segurança, com a desclassificação/ inabilitação da empresa DELURB, bem como
convocação/habilitação da empresa
LANDTEC; ” (pág. 9 da inicial).
Primeiramente, determinei à impetrante que emendasse a
inicial para esclarecer a autoridade impetrada e comprovar o recolhimento das
custas (documento eletrônico 18), o que foi realizado por meio da Petição
108.124/2021 (documento eletrônico 19).
Em 17/11/2021, indeferi o pedido liminar (documento
eletrônico 22). Não houve interposição de recurso (documento eletrônico 43).
A União requereu ingresso no feito (documento eletrônico
29).
A impetrante juntou o parecer
00006/2021/CNMLC/CGU/AGU
(documentos eletrônicos 32 e 33).
O Tribunal de Contas da União prestou informações
(documentos eletrônicos 35-41).
A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da
segurança (documento eletrônico 46).
A litisconsorte passiva Delurb Ambiental Ltda. apresentou
contestação (documento eletrônico 48).
É o relatório. Decido.
Conforme relatado, insurge-se a impetrante contra o Acórdão
2.443/2021 proferido pelo Plenário do Tribunal de Contas da União – TCU no TC
016.670/2021-3. Por oportuno, destaco os seguintes trechos da proposta de
deliberação do relator dos autos no TCU, a qual integra o ato impugnado:
“[...] 7. A representante, a Empresa
Delurb, inicialmente, foi habilitada para a execução dos serviços licitados em
23/3/2021, após aprovação de sua proposta de preço e exame dos documentos
apresentados relativos à habitação (peça 24). Conforme apontou a unidade
técnica, após detalhada análise da documentação apresentada pela Delurb, o
pregoeiro do GAP-RJ considerou a licitante apta para a execução dos serviços
licitados, o que levou ao indeferimento do recurso administrativo interposto
pela Landtec que questionava a habilitação da licitante melhor classificada
(Delurb).
8. No entanto, quatro dias depois, conforme
aviso publicado no portal de compras governamentais (peça 15), o GAP-RJ
entendeu necessária a comprovação da participação do engenheiro químico,
consignando a possibilidade de a licitante ter inserido novos documentos, que,
em seu entendimento, teriam sido emitidos após a abertura do certame. Por essa
razão, exigiu-se, da Delurb, a apresentação do Manifesto de Transporte de
Resíduos - MTR do serviço prestado.
9. De acordo com a unidade jurisdicionada, a
desclassificação da representante teria
ocorrido porque o GAPRJ considerou que a empresa teria apresentado documentação
nova, com a data de emissão posterior a abertura do certame.
10. Em sede de oitiva, o órgão aduz que a
decisão do
Ordenador de Despesas em reverter a
habilitação da Empresa Delurb, realizada pelo pregoeiro, foi pautada em
assessoramento prestado pelo corpo jurídico do Departamento de Controle do
Espaço Aéreo - DECEA (peça 47), Organização Militar apoiada administrativamente
pelo GAP-RJ.
11. No entanto, conforme anteriormente
consignado na instrução da unidade técnica (peça 27) e Despacho que determinou
a medida cautelar (peça 30), entendo que a documentação trazida pela Empresa
Delurb é apenas a atestação de situação anterior ao certame.
12. Nesse sentido, apesar de a CAT 24097/2021
(peça 64) ter sido emitida em 9/3/2021, esta se refere a ‘participação do
Engenheiro Químico Carlos Eduardo Moreira Garrido nos serviços descritos a
partir de 3/6/2020, quando foi incluído no quadro técnico da empresa’ (peça 64,
p. 2, grifo nosso), portanto em momento anterior à realização do certame.
13. Ademais, conforme bem pontuado pela Selog,
os pareceres jurídicos que pautaram essa decisão, ignoram a jurisprudência mais
recente do Tribunal, notadamente o Acórdão 1.211/2021-TCU-Plenário, Relator
Ministro Walton Alencar Rodrigues, cujo entendimento foi:
‘Admitir a juntada de documentos que
apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do
certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o
oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida
oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta,
resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do
processo (meio) sobre o resultado almejado (fim)’.
14. Desse modo, considero que a inabilitação
da empresa Delurb foi irregular, e para que o interesse público seja
preservado, acompanho a proposta da unidade instrutiva no sentido de que seja
expedida determinação ao GAP-RJ para que promova a anulação da decisão
administrativa que reformou a decisão do pregoeiro quanto à habilitação da
licitante Delurb, que ofertou o menor preço, com a consequente habilitação da
referida empresa.
15. Além desse ponto, a Selog identificou que
o dispositivo do edital que exige os atestados técnicos das licitantes não
informa quais seriam parcelas dos serviços consideradas na avaliação desse
item, em claro desacordo com o disposto no inciso I do § 1o do art. 30 da Lei
8.666/1993, o qual autoriza a exigência de atestados relativos exclusivamente
às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto do certame.
16. Acolho, portanto, a proposta de dar
ciência ao GAP-RJ desta impropriedade, com vistas a prevenir ocorrências
semelhantes em futuras licitações realizadas pela unidade jurisdicionada.
17. Quanto à exigência de apresentação, em
sede de diligência, de Manifesto de Transporte de Resíduos – MTR, convém
destacar que tal documento de habilitação não era exigido no Edital do certame.
A diligência objetivou atestar a execução dos serviços pelo engenheiro químico
responsável técnico indicado pela licitante. No entanto, observa-se, no
presente caso, que o MTR não foi utilizado como embasamento para a inabilitação
da proposta da Empresa Delurb pela autoridade superior. Entendo que tal ponto
deve ser considerado improcedente.
18. Assim, deve-se revogar a medida cautelar
adotada, tendo em vista as análises retro, com a realização de determinação e
ciência, na forma descrita nesta proposta de deliberação.
Ante o exposto, manifesto-me por que o
Tribunal aprove o
Acórdão que ora submeto à deliberação
deste Colegiado” (págs. 1-2 do documento eletrônico 15).
Observa-se que o Colegiado do TCU concluiu que a
documentação trazida pela Empresa Delurb é apenas a atestação de situação
anterior ao certame. Por esse motivo, e acatando a própria jurisprudência
colacionada no voto transcrito, admitiu a juntada do referido
documento e considerou a inabilitação da empresa Delurb irregular.
Constato, ainda, que o referido acórdão respeitou os
princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e a prevalência do
interesse público.
Acrescento, ainda, que, ao prestar informações, o TCU
consignou o seguinte:
“26. O Acórdão 2443/2021-TCU-Plenário
resultou de procedimento que respeitou o devido processo legal substancial.
27. Preliminarmente, cumpre realçar que, sob
pena de inviabilizar o exercício do mister constitucional do controle externo
da despesa pública delegado ao TCU, não seria exigível desta Corte de Contas
franquear contraditório a todo e qualquer terceiro particular cujos interesses
possam vir a ser afetados futura, hipotética e eventualmente por consequências
reflexas de sua atuação no exercício da fiscalização de atos administrativos.
Especialmente quando tal atuação se dá em fases preliminares internas à
Administração Pública jurisdicionada ao TCU, como se vê no presente caso –
controle de atos desenvolvidos em procedimento licitatório, anterior à
existência de vínculo jurídico-contratual específico com qualquer pessoa
jurídica. No contexto de procedimento licitatório, restará aos licitantes,
mesmo àquele ao final classificado em primeiro lugar, mera expectativa de
direito à formalização do vínculo jurídico subjetivo (contrato), decisão sempre
subordinada à conveniência administrativa posterior.
28. Em circunstâncias variadas, a linha
adotada por este r. Supremo Tribunal Federal tem sido exatamente a de refutar a
obrigatoriedade do contraditório prévio quando a decisão do TCU não implicar
anulação/revogação de ato administrativo específico que beneficie subjetiva e
concretamente algum interessado. Veja-se, a título de ilustração, o julgamento
da Rcl 6396 AgR/DF, quando a Suprema Corte enfatizou, no particular, a natureza
do processo de contas ordinárias: […]
31. Portanto, como regra, o contraditório é
incontornável apenas nos casos em que a decisão do TCU puder resultar em ônus
específico à parte, o que se verifica em casos como o de anular/revogar ato
administrativo representativo de vínculo jurídico concreto e subjetivo (p. ex.
contrato em curso), impor penas, suprimir vantagens, condenar ao ressarcimento
de valores, restringir direitos, entre outros. O mesmo condicionamento
procedimental não se imporia se a decisão simplesmente veiculasse determinação
à Administração jurisdicionada, no sentido de adotar providências para o
cumprimento de seus deveres legais, sem que daí resultassem obrigações a que o
destinatário já não estivesse sujeito.
32. Dito de outra forma, no caso presente não
houve imposição de deveres ou restrição de direitos a nenhum particular. A
decisão de determinar à Administração do GAPRJ/MD o saneamento de procedimento
licitatório decorre do entendimento da Corte acerca das obrigações já impostas
ao ente pelo ordenamento jurídico, razão por que não se vislumbra, com a
decisão do TCU em tela, prejuízo a terceiros particulares apenas pleiteantes de
futura e incerta contratação que dali poderia derivar. Em situações do tipo,
não custa referenciar o princípio expresso em normas variadas de que, sem
prejuízo, não há razão para reconhecer nulidade processual (p. ex., RI/TCU,
art. 171, caput; CPC, art. 282, §1º; CPP, art. 563).
33. Nesse contexto, não seria exigível do TCU
abrir contraditório à empresa ora impetrante. Ademais, como antes consignado,
embora confrontada com as consequências da decisão do TCU no âmbito do certame
em curso, haja vista que a liminar foi formalmente comunicada à Administração
do GAP-RJ/MD em 7/7/2021 e a ela foi dado imediato cumprimento (considerando-se
novamente habilitada a empresa Delurb), a ora impetrante não se dirigiu ao TCU
para postular seu ingresso como parte interessada nos autos do processo de
controle externo no âmbito do qual referida decisão havia sido prolatada
(TC-016.670/2021-3), o que lhe habilitaria a exercer o contraditório e a ampla
defesa perante a Corte de Contas.
34. De outro lado, aí sim, à Administração licitante
(GAPRJ/MD) foi franqueado o contraditório mediante regular notificação
acompanhada da completa descrição da situação fática em apuração e das
possíveis consequências jurídicas que dela poderiam derivar [doc. 2 em anexo].
Ademais, o contraditório foi efetivamente exercido por aquela Administração
junto ao TCU, pois formalizou substanciosa defesa de seus atos no certame
questionado e produziu as provas que lhe convinha. Ao final, regularmente
notificada da decisão de mérito, informou acatamento das determinações
proferidas pelo TCU (doc. 4 em anexo).
35. Referidos elementos de defesa foram
analisados de forma fundamentada pela unidade técnica do TCU especializada na
fiscalização de aquisições logísticas (Secretaria de Controle Externo de Aquisições
Logísticas – Selog/TCU), de forma a evidenciar a irregularidade da decisão que
inabilitou a licitante Delurb, formuladora da proposta melhor classificada, com
base em interpretação excessivamente restritiva e apegada à letra de
dispositivos isolados do instrumento convocatório que veiculavam regras
procedimentais (prazos para apresentação de documentos úteis ao julgamento da
capacidade técnica da licitante).
36. Reportamo-nos à íntegra do Relatório e da
Proposta de Deliberação (voto do Relator) que dão suporte e integram a referida
decisão do TCU, sem prejuízo de transcrevermos aqui os seguintes excertos
(destacou-se): […]
37. Como se vê, a decisão que dirigiu
determinações corretivas à Administração licitante (GAP-RJ/MD) encontra-se
devidamente fundamentada nos elementos coligidos aos autos do processo de
representação TC-016.670/2021-3 pela representante (empresa Delurb), pela
unidade técnica do TCU e pela própria Administração no exercício do
contraditório/ampla defesa. Repise-se que, mesmo tendo tomado inequívoco
conhecimento (via atos da Administração do GAP-RJ/MD registrados nas atas do
procedimento licitatório) das decisões do TCU com repercussão no certame do
qual participava, a empresa Landtec (ora impetrante) não procurou se habilitar
como parte interessada nos autos perante o TCU.
38. Nota-se que o TCU adotou postura
equilibrada no sentido de desapegar-se de extremada leitura do princípio da
vinculação ao instrumento convocatório (meio), notadamente quando tal medida se
revela contrária ao interesse público visado em todo procedimento da espécie –
seleção da proposta mais vantajosa (fim). Tal interpretação revela-se razoável
e consentânea com precedentes deste e. Supremo Tribunal Federal, proferidos
segundo apreciação conjunta de todo o tecido normativo regente das aquisições
públicas, desde o art. 37, XXI, da Constituição Federal, passando pela Lei
8.666/1993, art. 3º e pela Lei 10.520/2002. Dentre tantos, colhem-se os
seguintes para ilustrar (destacou-se): […]
39. Assim, evidencia-se a legalidade e a
legitimidade do Acórdão 2443/2021-TCU-Plenário, por meio do qual, mediante o
devido processo legal, foi determinada providência no sentido de sanear ato
ilegítimo da Administração gestora do certame licitatório, de forma a restaurar
a habilitação da licitante que houvera ofertado a proposta mais vantajosa
(empresa Delurb). Nesse quadro, resta apenas concluir que a atuação do TCU no
caso em tela deu-se no perímetro traçado pela Constituição Federal, pela Lei
8.443/1992 e por precedentes desta e. Suprema Corte e resultou, concretamente,
na materialização da finalidade essencial a ser alcançada em todo procedimento
de aquisição custeada com recursos do Tesouro Nacional” (págs. 15-32 do
documento eletrônico 36; sem os grifos do original).
Assim, fica claro que a Corte de Contas, amparada em seu
dever constitucional de fiscalização contábil, financeira e orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e
indireta (art. 70, caput, da CF), decidiu a controvérsia com
fundamento em sua própria orientação jurisprudencial e no art. 47, caput,
do Decreto 10.024/2019, que assim dispõe:
“Art. 47. O pregoeiro poderá, no
julgamento da habilitação e das propostas, sanar erros ou falhas que não alterem
a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante
decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, e lhes
atribuirá validade e eficácia para fins de habilitação e classificação,
observado o disposto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999”.
Ressalto, ainda, que para eventual discordância da
conclusão alcançada a respeito da natureza da documentação trazida pela Empresa
Delurb seria necessário reanalisar o mérito e as provas constantes no processo,
o que não é cabível pela via estreita do mandado de segurança.
Nesse sentido, ante a inviabilidade de dilação probatória
em mandado de segurança, o Poder Judiciário somente examina a legalidade do ato
coator, possíveis vícios de caráter formal ou atos que atentem contra o
princípio constitucional do devido processo legal.
Na espécie, não é possível reconhecer a ocorrência das
hipóteses supratranscritas, uma vez que a autoridade dita coatora atuou nos
estritos termos de sua competência legal e constitucional. Assim, constato a
ausência de qualquer vício no ato impugnado que pudesse caracterizar ofensa a
direito líquido e certo da impetrante, sob nenhum dos aspectos por ela
sustentado.
Com efeito, esta Corte, em sucessivas decisões, a exemplo
daquela proferida no RE 269.464/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, já
assinalou que o direito líquido e certo, capaz de autorizar o ajuizamento do
mandado de segurança, é, tão somente, aquele que concerne a fatos
incontroversos, constatáveis de plano, mediante prova literal inequívoca.
A pretensão da impetrante, portanto, refoge aos estreitos
limites do mandamus, em razão da ausência de liquidez e certeza do
direito pleiteado. Nesse sentido, como bem lembrou Celso Antônio Bandeira de
Mello,
“[c]onsidera-se líquido e certo o direito,
independentemente de sua complexidade, quando os fatos a que se deva aplicá-lo
sejam demonstráveis de plano; é dizer, quando independam de instrução
probatória, sendo comprováveis por documentação acostada quando da impetração
da segurança ou, então, requisitada pelo juiz a instâncias do impetrante, se o
documento necessário estiver em poder de autoridade que recuse fornecê-lo (art.
6º, parágrafo único, da Lei 1.533) (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso
de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 837-838).
No mesmo sentido, cito trecho do parecer proferido pela
Procuradoria-Geral da República:
“Não se verificam as ilegalidades
apontadas pelo impetrante no Acórdão nº 2443/2021. Ao contrário, este se pautou
na letra da lei (art. 47, caput, do Decreto n. 10.024/20193 ) e no
afastamento do formalismo exacerbado em prol do interesse público (escolha da
melhor proposta).
Além disso, ao que consta, se tratava da
juntada de certidão (CAT) cujo objetivo era apenas de atestar condição preexistente
à abertura da sessão pública, o que não fere o princípio da isonomia e
igualdade entre os licitantes, até mesmo porque a licitação não é um concurso
de destreza destinado a selecionar o melhor cumpridor de edital, mas sim a
seleção da melhor proposta para a Administração.
Destarte, não se verificam as condições
necessárias à concessão da segurança, tendo em conta que ‘a noção de direito
líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídicoprocessual, ao conceito
de situação decorrente de fato incontestável e inequívoco, suscetível de
imediata demonstração mediante prova literal pré-constituída’ (MS
26.552 AgR-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,
Tribunal Pleno, DJe
16.10.2009)”
Isso posto, denego a segurança.
Publique-se.
Brasília, 30 de março de 2022.
Ministro Ricardo Lewandowski
Relator
Caros pregoeiros e licitantes, a
melhor fonte de conhecimento sobre licitações se chama TCU - Tribunal de Contas
da União. Leiam atentamente os acórdãos do TCU, pois eles trazem ensinamentos e
recomendações importantíssimos, e tenham a certeza de estarem realizando um
grande serviço à sociedade.
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