domingo, 6 de maio de 2018

É possível a utilização de credenciamento – hipótese de inviabilidade de competição não relacionada expressamente no art. 25 da Lei 8.666/1993 – para contratar prestação de serviços privados de saúde no âmbito do SUS, que tem como peculiaridades preço pré-fixado, diversidade de procedimentos e demanda superior à capacidade de oferta pelo Poder Público, quando há o interesse da Administração em contratar todos os prestadores de serviços que atendam aos requisitos do edital de chamamento.

Representação autuada com base em documentos encaminhados pelo extinto Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará veiculou supostas irregularidades ocorridas em licitações e contratos financiados com recursos federais oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS) no Município de Crato/CE. A principal irregularidade apontada dizia respeito à falta de prévio procedimento licitatório nas contratações de entidades privadas para a prestação de serviços de saúde no âmbito do SUS, em regime complementar ao Poder Público, em aparente afronta ao art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e ao art. 2º da Lei 8.666/1993. A unidade técnica constatou que o município realizara chamamento público para credenciamento de entidades prestadoras de serviços na área de saúde, mas que isso não afastava a obrigatoriedade de se fazer licitação, nas modalidades previstas no art. 22 da Lei 8.666/1993, ou de se justificar a contratação direta mediante a inexigibilidade constante do art. 25 da referida lei, razão pela qual sugeriu a aplicação de multa ao prefeito e aos secretários municipais de saúde. Ao apreciar o caso, o relator, inicialmente, observou que a Constituição Federal possibilita às instituições privadas participarem do SUS de forma complementar. Nesse sentido, continuou: “Considerando que compete à direção nacional do SUS promover a descentralização para as unidades federadas e para os municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente de abrangência estadual e municipal, segundo o art. 16, inciso XV, da Lei 8.080/1990, foram editadas diversas normas de descentralização, inclusive aquelas voltadas especificamente para normatizar a contratação de serviços de saúde por gestores locais do SUS, com indicação de cláusulas necessárias que devem constar nos correspondentes contratos”. Entre as normas editadas, o condutor do processo destacou o Manual de Orientações para Contratação de Serviços no SUS, elaborado pelo Ministério da Saúde, que previa a possibilidade de chamamento público e inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços de saúde, sendo que “no caso da inexigibilidade de licitação, o referido Manual de Orientações exemplifica que ela pode ocorrer quando houver incapacidade de se instalar concorrência entre os licitantes, como no caso de haver somente um prestador apto a fornecer o objeto a ser contratado, ou na hipótese de o gestor manifestar interesse de contratar todos os prestadores de serviços de seu território de uma determinada área desde que devidamente especificada no edital”. Sobre o ponto, o relator ressaltou que a jurisprudência do TCU tem aceitado que o credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição não relacionada expressamente no art. 25 da Lei 8.666/1993, adotada, entre outras hipóteses, quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Ressaltou, ainda, que nessa situação a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da Administração em restringir o número de contratados. O relator concluiu afirmando que “quando a licitação for inexigível porque o gestor manifestou o interesse de contratar todos os prestadores, ele poderá adotar o procedimento de chamada pública, por meio da abertura de um edital e chamar todos os prestadores que se enquadrem nos requisitos constantes do edital para se cadastrarem e contratarem com a Administração Pública.  Tem-se por claro que a inexigibilidade, no presente caso, não se deu pela singularidade do objeto, mas sim pelo interesse de contratar todos os prestadores de serviços na área de saúde que atendessem os requisitos do edital de chamamento”. Com esse entendimento, e diante da comprovada realização do devido chamamento público, com o credenciamento das entidades, o relator propôs e o Colegiado decidiu acolher as razões de justificativa apresentadas pelos responsáveis.
Acórdão 784/2018 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer.