terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

A participação de associações civis sem fins lucrativos em licitações somente é admitida quando o objeto da avença estiver em conformidade com os objetivos estatutários específicos da entidade.

 


A participação de associações civis sem fins lucrativos em licitações somente é admitida quando o objeto da avença estiver em conformidade com os objetivos estatutários específicos da entidade.

Em processo de representação formulada ao TCU, questionou-se a possibilidade jurídica da participação em pregão eletrônico – promovido pela 1ª Circunscrição Judiciária Militar visando à contratação de serviços continuados de apoio administrativo – de associação civil sem fins lucrativos, que fora vencedora e habilitada do certame. O questionamento teve por base o conteúdo do art. 53, caput, do Código Civil, segundo o qual as associações são constituídas “pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. Tanto a unidade técnica quanto o Ministério Público de Contas concluíram pela procedência parcial da representação, sob o argumento de que o mencionado dispositivo não proíbe incondicionalmente a participação de entidades civis sem fins lucrativos em licitações, mas sua contratação pelo Poder Público somente é admitida quando o objeto da avença estiver em conformidade com os objetivos estatutários específicos da contratada, conforme a jurisprudência do TCU. Em seu voto, o relator destacou que, de fato, não se deve conferir interpretação literal e restritiva à expressão “para fins não econômicos” contida no art. 53 do Código Civil, haja vista que o art. 54, inciso IV, do mesmo código dispõe que o estatuto das associações deverá obrigatoriamente indicar “as fontes de recursos para sua manutenção”. Além disso, continuou o relator, a Lei 8.666/1993, em seu art. 24, inciso XX, permite a contratação direta, por dispensa de licitação, “de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado”, donde concluiu que “as disposições do art. 53 do Código Civil não vedam a que Administração Pública contrate associação civil sem fins lucrativos”. O relator ponderou, no entanto, que, se as normas de regência e a jurisprudência do TCU exigem que o objeto do contrato administrativo, nesses casos, não implique desvio de finalidade da associação sem fins lucrativos, “é logicamente certo que o estatuto da contratada deva ter objetivos específicos, que lhe confiram uma identidade institucional, uma singularidade de propósitos, condição sine qua non para que se estabeleça, com razoável precisão, o nexo que se exige entre objetivos institucionais e objeto contratual.”. Retomando o caso concreto, o condutor do processo deixou assente que as disposições estatutárias da associação em tela, embora invocadas por esta e pelo órgão fiscalizado como fundamento para a contratação questionada, “possuem conteúdo demasiadamente aberto, o que, em tese, permitiria adequar sua finalidade institucional a praticamente qualquer objeto de terceirização de serviços pretendidos pela Administração”, tornando assim inócua a exigência de nexo específico entre o objetivo institucional da associação civil e o objeto do contrato administrativo. Ressaltou ainda que esse nexo específico é necessário para estabelecer um “discrimen mínimo entre as associações sem fins lucrativos e as sociedades empresariais, em relação às possibilidades de contratação com a Administração Pública”. Do contrário, “estar-se-iam criando condições não isonômicas entre ambas as espécies de licitantes, pois os primeiros, com menor carga tributária, ingressariam em uma ampla gama de certames em condições privilegiadas em relação aos últimos”. Nos termos da proposta do relator, “tendo em vista que os objetivos genéricos consignados no estatuto da associação não permitem estabelecer o necessário e preciso vínculo com o objeto da contratação, sob pena de desvio de finalidade da referida associação civil sem fins lucrativos”, o Plenário decidiu considerar parcialmente procedente a representação e fixar prazo para que o órgão “anule o ato administrativo que habilitou irregularmente a associação no aludido pregão, bem como os demais atos dele porventura decorrentes”.

Acórdão 2847/2019 Plenário, Representação, Relator Ministro Raimundo Carreiro.