O órgão ou a entidade promotora do
certame não deve obstar a participação de empresa licitante com fundamento na
existência de ocorrências impeditivas indiretas de licitar constantes do
Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf) sem que haja
elementos suficientes para evidenciar que a sua constituição teve por objetivo
burlar penalidade aplicada a outra sociedade empresarial e sem que seja dada
oportunidade à interessada para manifestação prévia (art. 29 da IN-Seges/MPDG
3/2018).
Representação
formulada ao TCU por sociedade empresária apontou possíveis irregularidades em
pregão eletrônico promovido pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Parintins
(DSEI/Parintins) com vistas à “contratação
de serviços de limpeza, conservação e higienização, com fornecimento de mão de
obra e todos os materiais e equipamentos necessários, a serem executados nos
prédios pertencentes ao DSEI/Parintins”. Entre as irregularidades
suscitadas, mereceu destaque a recusa, pelo pregoeiro, da proposta da representante
com base em “ocorrência impeditiva
indireta”. Em resposta ao recurso interposto pela representante no âmbito
do processo licitatório, o pregoeiro teria destacado dois elementos que
comprovariam a ligação entre ela e outra sociedade empresária anteriormente
sancionada: o “documento de justificativa”,
apresentado pela representante no curso do pregão, subscrito por pessoa
integrante do quadro societário de ambas as sociedades, e os atestados de
capacidade técnica relativos a serviços prestados pela primeira à segunda. Em
sua instrução, a unidade técnica demonstrou que, conquanto à época do certame
essa pessoa não mais integrasse o quadro societário de nenhuma das duas
empresas, existiriam fortes vínculos familiares entre elas: “sócios de uma e outra empresas são irmãos e
residem no mesmo endereço, que também é o endereço da segunda empresa”. Sob
a ótica da unidade técnica, ainda que incontestáveis, tais vínculos não eram de
conhecimento do pregoeiro e, mesmo que fossem, não bastariam para caracterizar
burla à penalidade aplicada à segunda empresa. Sopesando que o contrato
decorrente do pregão está em execução e que a interrupção do serviço causaria
prejuízo ao órgão, a unidade instrutiva sugeriu fosse tão somente determinado
ao DSEI/Parintins que se abstivesse de prorrogar o contrato. Em seu voto, o relator
ressaltou, preliminarmente, que, quando da aplicação da penalidade e do certame
em questão, o sócio mencionado já não fazia parte de nenhuma das duas empresas.
Na sequência, destacou que, apesar de contundentes os indícios de vínculo entre
as duas sociedades, eles não permitiriam conclusão no sentido de que a
representante participara do certame com o propósito de burlar a sanção
aplicada à outra empresa. Isso porque “as
sociedades foram fundadas e passaram a apresentar o atual quadro societário
antes da aplicação da sanção”. Além disso, não haveria “informações de transferência de acervo
técnico entre as duas sociedades” após a aplicação da penalidade. O relator
considerou ainda que, nas circunstâncias dos autos, os erros praticados pelo
pregoeiro não seriam de “gravidade
suficiente para resultarem em punições nem em determinação para extinção
antecipada de contrato em execução”. E arrematou: “Não há como afirmar, desde logo, que a prorrogação do contrato
contraria o interesse público. Trata-se de questão a ser avaliada e decidida,
fundamentadamente, pelo DSEI/Parintins, por ocasião do término de cada ano de
contrato, tendo em vista os preços então praticados pelo mercado e a qualidade
do serviço prestado pela contratada”. Nos termos da proposta do relator, o
colegiado decidiu considerar parcialmente procedente a representação, sem
prejuízo de dar ciência ao órgão acerca das seguintes falhas identificadas no
pregão: I) “recusa de proposta de
licitante com fundamento na existência de ocorrências impeditivas indiretas de
licitar constantes do cadastro da empresa no Sicaf, em desacordo com o
entendimento constante dos Acórdãos 2.218/2011-TCU-1ª Câmara e 1.831/2014-TCU-Plenário, ou seja,
sem que houvesse elementos adicionais suficientes para caracterizar possível
tentativa de burla à penalidade de inidoneidade e de impedimento de contratar
ou licitar com a Administração Pública, por intermédio de constituição de outra
sociedade empresarial pertencente aos mesmos sócios e que atue na mesma área”; II) “desclassificação
de proposta de licitante com base na existência de ocorrências impeditivas
indiretas de licitar constantes do cadastro da empresa no Sicaf, sem convocação
prévia do licitante para sobre elas se manifestar, em desacordo com o que prevê
art. 29 da Instrução Normativa Seges/MPDG 3/2018, de 26/4/2018”.
Acórdão
534/2020 Primeira Câmara, Representação, Relator Ministro Walton Alencar
Rodrigues.