No âmbito das empresas estatais, a
exigência, para fins de habilitação, de que a licitante comprove possuir
inscrição ou visto no conselho regional profissional da unidade federativa em
que será executado o objeto afronta o disposto nos arts. 37, inciso XXI, e
173, § 1º, inciso III, da Constituição Federal c/c o art. 58 da Lei
13.303/2016.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades em licitação realizada pelo
Banco do Brasil (sociedade de economia mista), cujo objeto era o registro de
preços visando à contratação de serviços de engenharia para adequações de
conservação predial em imóveis de interesse do Banco localizados no Estado de
Minas Gerais. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a
exigência, como critério de habilitação, de comprovação de inscrição ou visto
de execução de obras/serviços junto ao Crea da unidade da federação onde os
serviços seriam prestados. Ao apreciar a matéria, o Plenário do TCU, por
intermédio do Acórdão 1.020/2019, decidiu dar ciência ao Banco que “a exigência, para fins de habilitação, de
que a licitante comprove possuir inscrição ou visto no Conselho Regional Profissional
da Unidade Federativa em que será executado o objeto, identificada na Licitação
eletrônica 2019/00060, realizada pelo Cesup Compras e Contratações - São Paulo
(SP), afronta o disposto na jurisprudência firmada pelo Tribunal de Contas da
União (Acórdão 2.239/2012-TCU-Plenário, Acórdão
348/1999-TCU-Plenário)”.
Inconformado, o Banco interpôs pedido de reexame, aduzindo, entre outros
argumentos, que: I) “não cabe a aplicação
subsidiária da Lei 8.666/1993 à Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), que dispõe
sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e
de suas subsidiárias”; II) “um dos
objetivos precípuos dessa legislação é justamente dar uma maior elasticidade na
condução das contratações”; III) “a
exigência não só se mostra razoável (como garantia à administração de que os
licitantes estão aptos a executar aquele serviço naquela determinada
localidade) como também legal, posto que condizente com as normas específicas
de regência (no caso, a Lei 5.194/66 e as normas do Confea)”. Em seu voto,
o relator destacou que o art. 58, inciso II, da Lei 13.303/2016 assim dispõe
acerca dos requisitos de qualificação técnica nas licitações promovidas pelas
empresas estatais: “Art. 58. A
habilitação será apreciada exclusivamente a partir dos seguintes parâmetros:
(...) II - qualificação técnica, restrita a parcelas do objeto técnica ou
economicamente relevantes, de acordo com parâmetros estabelecidos de forma
expressa no instrumento convocatório”. Para o relator, esse dispositivo
deve ser interpretado conjuntamente com o art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal, segundo o qual o processo licitatório “somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Depreende-se,
portanto, que “os requisitos de habilitação
em licitações públicas devem se ater ao mínimo indispensável para garantir que
os licitantes detenham condições de adequadamente cumprir o objeto da futura
contratação. Exigências que ultrapassem essas condições restringem
indevidamente a competitividade do certame e podem afetar a busca da proposta
mais vantajosa para a administração pública, com a consequente violação do
princípio da economicidade”. O relator ressaltou que, “no bojo da Lei 8.666/1993 (arts. 27 a 31), há uma descrição mais pormenorizada
dos documentos que podem ser exigidos na fase de habilitação. Já no bojo da Lei
13.303/2016, o legislador optou por não especificar os documentos exigíveis,
permitindo que as empresas fizessem a adaptação necessária de acordo com as
peculiaridades de suas atuações no mercado”. Ponderou ainda que, não
obstante essa maior liberdade na escolha dos requisitos de habilitação, há
algumas exigências que derivam do ordenamento jurídico e são aplicáveis também
às contratações no setor privado, entre elas a exigência de registro no
conselho regional de engenharia, devendo ser atendidos, para tanto, os
requisitos estabelecidos no art. 12 da Resolução Confea 1.121/2019. Concedido o
registro, “supõe-se que a sociedade
empresária está apta a atuar de acordo com os normativos do sistema Confea/Crea
e, portanto, sob essa ótica, estaria capacitada a participar de licitações
públicas”. Já o visto ou registro subsequente, exigidos para que a
sociedade empresária execute atividade na circunscrição de outro Crea, “nada acrescentam acerca da capacidade
técnica da empresa”. E arrematou: “se
não é imprescindível para a avaliação da capacidade técnica da empresa, de
acordo com as normas antes expostas, não é cabível a exigência na fase de
habilitação”. Nos termos da proposta do relator, o Plenário decidiu dar
provimento parcial ao pedido de reexame, alterando o teor da ciência dada ao
Banco no acórdão recorrido, que passou a ter a seguinte redação: “a exigência, para fins de habilitação, de
que a licitante comprove possuir inscrição ou visto no Conselho Regional
Profissional da Unidade Federativa em que será executado o objeto, identificada
na Licitação eletrônica 2019/00060, realizada pelo Cesup Compras e Contratações
- São Paulo (SP), afronta o disposto nos arts. 37, inciso XXI, e 173, § 1º,
inciso III, da Constituição Federal c/c o art. 58 da Lei 13.303/2016”.
Acórdão
739/2020 Plenário, Pedido de Reexame, Relator Ministro Benjamin Zymler.