Não cabe reajuste, repactuação ou
reequilíbrio econômico em relação à Ata de Registro de Preços
Nos termos do Parecer nº00001/2016/CPLCA/CGU/AGU não
cabe reajuste, repactuação ou reequilíbrio econômico em relação à Ata de
Registro de Preços, uma vez que esses institutos estão relacionados à
contratação (contrato administrativo em sentido amplo).
tem também doutrina:
https://zenite.blog.br/wp-content/uploads/2021/11/impossibilidade-juridica-de-revisao-dos-precos-registrados-em-ata-de-registro-de-precos-da-administracao-publica-luizclaudioazevedochaves.pdf
A TEORIA DA
IMPREVISÃO E A (IM)POSSIBILIDADE JURÍDICA DE REVISÃO DOS PREÇOS REGISTRADOS EM
ATA DE REGISTRO DE PREÇOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
LUIZ CLÁUDIO
DE AZEVEDO CHAVES Pós-graduado em Direito Administrativo. Professor da Escola
Nacional de Serviços Urbanos (ENSUR) e da Escola de Administração Judiciária
(ESAJ/TJRJ). Professor-convidado da Fundação Getúlio Vargas e da PUC-Rio. Autor
das obras Curso prático de licitações: os segredos da Lei nº 8.666/93 (Lumen
Juris); Licitação pública: compra e venda governamental para leigos (Alta
Books); Gerenciamento de riscos nas aquisições e contratações de serviços da
administração direta, estatais e sistema “S” (JML); Diálogos sobre a nova lei
de licitações e contratações: Lei nº 14.133/2021 (coautoria, JML). Palestrante,
em âmbito nacional, sobre temas relacionados às contratações governamentais.
RESUMO A
Constituição Federal, ao instituir o princípio do Dever Geral de Licitar (art.
37, inc. XXI), a todos os órgãos e entidades do Poder Público ou que recebam
controle deste, ainda que de forma indireta, previu o dever de a Administração
produzir cláusulas contratuais que permitam garantir a efetividade da proposta,
ou seja, que a remuneração alvitrada pelo contratado seja respeitada por todo o
período de execução contratual. Um dos institutos que operacionalizam tal
comando é o da revisão dos contratos, fulcrados na Teoria da Imprevisão e que
encontra subsídio normativo no art. 65, inc. II, alínea “d”, da Lei nº
8.666/1993 e no art. 124, inc. II, alínea “d”, da Lei nº 14.133/2021. Nada
obstante, muito se pergunta se é cabível a revisão também nos preços
registrados em ata de registro de preços, dadas as características próprias
dessa ferramenta de contratação. O objetivo deste trabalho é justamente
esclarecer os pontos obscuros, lançando à luz os conceitos de cada um desses
institutos jurídicos, a fim de se estabilizar o entendimento sobre o tema.
Palavras-chave: Licitação. Contratos. Ata. Registro de Preços. Reequilíbrio
econômico.
INTRODUÇÃO
Não é
novidade que os órgãos e as entidades do Poder Público encontram sérias
dificuldades em adquirir coisas e contratar serviços cuja demanda se demonstra
de difícil previsão. Isso porque o modelo tradicional de contratação por
licitação pública é extremamente burocrático – mesmo considerando a modalidade
pregão –, tornando impossível uma resposta ágil para atendimento às suas
necessidades. Some-se a isso o fato de que as reavaliações de demanda encontram
barreiras na própria legislação de regência, como os limites para reduções e
acréscimos quantitativos. Essas dificuldades obrigam os órgãos a manter grandes
estoques dos produtos que utilizam, o que atrai inúmeros problemas, tais como
desperdício ou perecimento de material, alto custo com a manutenção de grandes
espaços físicos destinados aos galpões e almoxarifados, custo com mão de obra
(própria ou terceirizada). Também é relevante o problema do planejamento
orçamentário. Ao dar preferência a fazer grandes estoques, o agente responsável
pelo dimensionamento da aquisição sempre optará por prever um quantitativo de
compra superior ao que planejaria normalmente caso tivesse maior agilidade nas
compras. Com isso, há um compromissamento do orçamento exacerbado, o qual
prejudica outros projetos que poderiam ser desenvolvidos. Até o advento do
Decreto nº 3.931/2001, o Sistema de Registro de Preços, instituído no art. 15,
§ 3º, da Lei nº 8.666/1993, era praticamente inutilizado pelos órgãos
submetidos ao dever geral de licitar, passando, a partir de então, a ganhar
cada vez mais espaço como modelo de contratação de coisas e serviços na
Administração Pública, nas estatais e nas entidades do chamado Sistema S. 1 de
9 O normativo federal citado foi praticamente o primeiro a ser colocado em
vigor e o que trouxe melhores orientações de como poderia ser utilizado.
Contribuiu decisivamente para a profusão de licitações nessa modelagem o fato
de o art. 8º daquele decreto prever a possibilidade de outros órgãos se
servirem de uma ata já publicada, dispensando esse órgão de realizar a própria
licitação, o que, sabidamente é altamente trabalhoso e envolve um risco
considerável de fracasso, deserção ou má contratação. Para as empresas,
tornou-se um excelente negócio, pois poderiam participar e vencer uma única
licitação, mas alvitrarem vários contratos com outros órgãos. Basta relembrar
que, no ano de 2007, o Tribunal de Contas da União 1 analisou um caso em que,
uma semana após publicada uma ata de serviços de publicidade pelo Ministério da
Saúde, o órgão recebeu nada menos do que 62 pedidos de adesão externa de outros
órgãos. Falando em números, um negócio cuja previsão era de 32 milhões de
reais, em apenas uma semana, para a empresa beneficiária da ata alçaria (não
tenho informações precisas sobre a efetivação dos vários contratos) faturamento
da ordem de 2 bilhões de reais. Porém, essa ferramenta de contratação, em que
pese rapidamente propagada, nasceu órfã de maiores estudos doutrinários acerca
das implicações de sua utilização. Várias questões controvertidas começaram a
surgir, porém, do início até o final da década de 2000, a economia no país se
mostrava relativamente estável, e o Brasil vivia em uma espécie de bolha de
falsa estabilidade da inflação. Quando essa bolha estourou, a partir de 2010,
começam a surgir problemas de manutenção dos preços registrados. Essa
circunstância foi tornando a situação cada vez mais crítica à medida que a
inflação e os demais números da economia começaram a cair. É nesse cenário que
começam a surgir os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro dos preços
registrados em ata. Muitos acontecimentos, inclusive os mais recentes, como a
greve dos caminhoneiros (2018) e a pandemia de covid-19 (2020) forçaram os
beneficiários das atas a recusarem pedidos de entrega do produto registrado ou
a tentar obter a revisão dos preços, alegando desequilíbrio insuportável. Com
isso, muitos órgãos passaram a se perguntar se seria possível o licitante ganhar
uma licitação para Registro de Preços, com compromisso de manter o preço pelo
período de vigência da ata, o que raramente é inferior a 12 meses e, após
publicada a ata, ver o preço registrado ser majorado com base na teoria da
imprevisão. Este trabalho tem por finalidade estabelecer os limites da
aplicação da Teoria da Imprevisão no instituto jurídico da ata de registro de
preços, que é instrumento diverso do contrato e tem manejo distinto deste.
GARANTIA
CONSTITUCIONAL DA EFETIVIDADE DA PROPOSTA
A Constituição
da República estabelece o dever de a Administração contratante garantir,
durante a execução do ajustado, a efetividade da proposta 2. Por efetividade da
proposta entenda-se o dever manter o equilíbrio econômico-financeiro das
cláusulas contratuais. Esse equilíbrio é marcado pela relação de justiça entre
os benefícios alvitrados pela Administração e a remuneração do contratado. Isso
porque, ao formular a proposta, o proponente calcula todas as implicações
decorrentes da execução para estabelecer o preço que considera justo e
suficiente para ser remunerado. Dada a configuração da presunção de equilíbrio,
passa a ser dever da Administração contratante manter o nível de remuneração do
contratado por toda a execução. Mas é certo que, no decorrer da execução, podem
haver intercorrências, algumas previsíveis, como o aumento do custo de insumos,
mão de obra etc., ou imprevisíveis, como o atraso da Administração no pagamento
das faturas ou até fatos externos ao contrato, como as greves, por exemplo,
que, em um cenário de normalidade, não seriam possíveis presumir. Tais
intercorrências têm potencial para abalar a relação de justiça e equilíbrio
estabelecida com a assinatura do ajuste, pois pode impor ao contratado (também
ao contratante) um ônus insuportável que não era possível calcular no momento
da precificação. Esse fenômeno pode levar à ruína de uma parte, em detrimento
do enriquecimento sem causa da outra. Três são os institutos que visam manter a
relação de efetividade da proposta: (a) a correção monetária; (b) o reajuste; e
(c) a revisão. A correção monetária tem aplicação nos casos em que ocorre
atraso no pagamento por parte da 2 de 9 Administração contratante, desde que o
atraso não se tenha originado com culpa do contratado. Trata-se de cláusula
obrigatória em todo contrato administrativo, nos termos do art. 55, inc. III,
da Lei nº 8.666/1993: Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as
que estabeleçam: [...] III - o preço e as condições de pagamento, os critérios,
data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de
atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do
efetivo pagamento; (Grifamos) Na Nova Lei de Licitações, a previsão se encontra
no art. 92: Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que
estabeleçam: [...] V - o preço e as condições de pagamento, os critérios, a
data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de
atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do
efetivo pagamento; Assim, a correção monetária deve ser paga sempre que a
Administração contratante atrasar os pagamentos, desde que não tenha havido
culpa do contratado. O segundo instituto, o reajuste, tem lugar para atualizar
o valor do contrato, quando este se encontra desequilibrado economicamente em
decorrência da elevação do custo de execução, ou seja, a majoração dos preços
dos insumos, da mão de obra e de outros custos mensuráveis. É considerada causa
ordinária de desequilíbrio. Tem periodicidade mínima de um ano a contar da data
da proposta ou do orçamento a que ela ser referir, nos termos da Lei nº
10.192/2001 3. Finalmente, a revisão deve ser utilizada sempre que houver
ocorrência de fato imprevisível ou previsível, porém de consequências
incalculáveis, constituindo fato extracontratual e extraordinário. É neste que
o presente trabalho irá se concentrar.
TEORIA DA
IMPREVISÃO: CONCEITO, REQUISITOS E APLICABILIDADE AOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
É regra
comezinha no campo do direito das obrigações que o contrato faz lei entre as
partes, o que se acha estabilizado no brocardo pacta sunt servanda. Por assim
dizer, as obrigações contraídas pelas partes devem ser rigorosamente cumpridas,
levando-se em conta sua função social, bem como a boa-fé entre os contratantes.
No entanto, após a celebração do ajuste, situações inéditas que não poderiam
ter sido previstas pelas partes poderão dar azo à revisão das cláusulas ou
mesmo subsidiar a resolução contratual, quando tais situações provoquem
prejuízo para uma das partes e consequente enriquecimento ilícito da outra.
Nesses casos, haverá a flexibilização da cláusula pacta sunt servanda, de modo
a reequilibrar a relação jurídica havida no início da avença. Essa
excepcionalidade vem descrita no art. 393 do Código Civil: Art. 393. O devedor não
responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso
fortuito ou força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir. A regra da cláusula pacta sunt servanda deve ser
lida e harmonizada com outro corolário do direito privado, que é a regra rebus
sic stantibus, cujo entendimento é no sentido de que o contrato faz lei entre
as partes enquanto as coisas permanecerem na forma estabelecida na época do
contrato. Trata-se do reconhecimento de que os contraentes acordaram levando em
consideração as 3 de 9 circunstâncias fáticas presentes ao tempo de sua
celebração, podendo invocá-la como fundamento para o rompimento caso mudanças
substanciais ocorram de forma extraordinária e imprevisíveis, que modificam o
equilíbrio do acordo trazendo desvantagem a uma das partes. Foi o ponto de
partida para a criação das bases da Teoria da Imprevisão, caracterizada no art.
478 e ss. do Código Civil, que prevê a resolução do contrato quando ocorrer à
onerosidade excessiva em decorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de
uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a
outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o
devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada,
oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato. Art.
480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela
pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a
fim de evitar a onerosidade excessiva. Um exemplo foi um fato vivido por uma
massa de consumidores em janeiro de 1999, que anotou uma maxidesvalorização do
Real frente ao dólar americano. Nessa época, muitos consumidores haviam
adquiridos veículos importados com financiamento em prestações baseadas no
dólar americano. Do dia para a noite, o dólar teve um aumento violento, o que
provocou um reajuste nas prestações de ordem de mais de 200%, motivando o
Ministério Público do Rio de Janeiro a propor uma ação civil pública para o fim
de obrigar as financeiras a aceitarem o pagamento com base na cotação do dia
anterior à explosão cambial. Nos contratos administrativos, a aplicação da
Teoria da Imprevisão é prevista no art. 65, inc. II, alínea “d”, da Lei nº
8.666/1993: Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados,
com as devidas justificativas, nos seguintes casos: [...] II - por acordo das
partes: [...] d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram
inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração
para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese
de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências
incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda,
em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea
econômica extraordinária e extracontratual. Na nova Lei de Licitações e
Contratos, a redação é idêntica: Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei
poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
[...] II - por acordo entre as partes: [...] d) para restabelecer o equilíbrio
econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito
ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de
consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como
pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida
no contrato. Tais dispositivos permitem a adequação do valor do contrato, de
modo a possibilitar o retorno à situação de equilíbrio estabelecida no início
do pacto. Trata-se do instituto da revisão. 4 de 9 Assim, a revisão do contrato
(coloquialmente chamada de reequilíbrio), é o instituto por meio do qual a
efetividade da proposta é retomada quando ocorre um fato externo ao contrato,
imprevisível ou previsível, mas com desdobramentos muito acima do esperado e
que importem em impedimento ou retardo na execução do ajustado com a chamada
onerosidade excessiva. A revisão, quando presentes seus requisitos formadores,
deve ser deferida de imediato, pois estando o contrato em execução, haverá o
comprometimento do cumprimento das obrigações do contratado, com claro prejuízo
para ambas as partes contraentes.
O SISTEMA DE
REGISTRO DE PREÇOS COMO FORMA DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O Sistema de
Registro de Preços é um conjunto de procedimentos efetivados mediante prévia
licitação pública, que visa ao registro formal de preços para contratações
futuras com o vencedor do torneio, chamado de beneficiário. Realiza-se uma
única licitação que selecionará a proposta mais vantajosa entre as
apresentadas, quase nos mesmos moldes da licitação tradicional, com a diferença
de que, em vez de adjudicado o objeto ao vencedor no fim do torneio, este terá
seu preço registrado em ata, que selará um compromisso futuro de, durante
determinado período, não superior a um ano 4, em todas as vezes que a
Administração necessitar e dentro das quantidades registradas, o beneficiário
estar obrigado. É uma forma de contratação na qual a Administração Pública
constitui uma espécie de cadastro de preços, fornecedores e quantitativos para
o objeto colocado em disputa. Esse cadastro ficará à disposição da
Administração (gerenciador ou participante) durante determinado tempo, dentro
do qual a Administração poderá convocar as quantidades que desejar e que lhe
forem necessárias, respeitados os quantitativos registrados. O SRP não gera um
contrato propriamente dito, mas uma ata, que é o registro do compromisso
futuro. Após sua publicação, a ata se torna eficaz e passa a gerar tantos
quantos contratos a Administração pretender celebrar, desde que respeitados os
quantitativos nela especificados.
A RELAÇÃO
JURÍDICA NASCIDA A PARTIR DA CELEBRAÇÃO DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS
Como visto, a
licitação para registros de preços não tem consequência prática imediata, como
o é a licitação tradicional. Nesta, após homologado o resultado do certame, será
gerado um contrato que, visto em execução, alcançará todas as quantidades
descritas no ato convocatório. Já na licitação para fins de registro de preços,
após a homologação de seu resultado, será gerada uma ata, instrumento de
características diversas do contrato, conforme leciona Marçal Justen Filho
(2012, p. 218), verbis: Contrato normativo constituído como um cadastro de
produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações
sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições
previstas no edital. Esse conceito veio reafirmado no atual regulamento federal
para o SRP. Nos termos do art. 2º, inc. II, do Decreto nº 7.892/2013, ata é: II
– ata de registro de preços - documento vinculativo, obrigacional, com característica
de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços,
fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as
disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas;
Significa que a ata não é contrato, mas um pré-contrato. Se as condições
estabelecidas no précontrato se consolidarem, o contrato propriamente dito se
aperfeiçoará. A ata servirá de fundamento de validade para as convocações
(contratações) de quantitativos posteriores até seu esgotamento, pelo prazo
(máximo de um ano) ou de suas quantidades. 5 de 9 Em resumo, o vencedor da
licitação não terá a seu favor um contrato, mas a possibilidade de, no decorrer
da vigência da ata, celebrar tantos quantos contratos forem possíveis, diante
das quantidades registradas.
APLICAÇÃO DA
TEORIA DA IMPREVISÃO SOBRE A ATA DE REGISTRO DE PREÇOS E A IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DE REVISÃO DOS PREÇOS REGISTRADOS
Em que pese
constituir documento obrigacional de natureza distinta do contrato, por óbvio
que, durante a vigência da ata, poderá ocorrer um fato não previsível ou cuja
previsibilidade não alcançava as proporções em que ocorreram. A ata gera, para
o beneficiário, a obrigação de manter inalterado o preço registrado e atender a
todas as convocações do órgão que promoveu a licitação (gerenciador) e dos
demais que integraram o processo ab inicio (órgãos participantes). Por isso,
deve-se reconhecer que, mesmo não se constituindo em um contrato típico,
situações extracontratuais e extraordinárias poderão inviabilizar ou tornar
excessivamente onerosa tal obrigação. Daí a previsão do art. 17 do Decreto nº
7.892/2013: Art. 17. Os preços registrados poderão ser revistos em decorrência
de eventual redução dos preços praticados no mercado ou de fato que eleve o custo
dos serviços ou bens registrados, cabendo ao órgão gerenciador promover as
negociações junto aos fornecedores, observadas as disposições contidas
na?alínea “d” do inciso II do caput?do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.
Reconheço que há certa confusão quanto à possibilidade ou não de aplicação da
Teoria da Imprevisão, em razão do teor do dispositivo legal ora transcrito.
Afinal, tal norma faz parecer que seria possível revisar os preços registrados
em ata. Porém, isso não é verdade. A revisão visa evitar que a parte contraente
assuma um prejuízo insuportável diante das obrigações assumidas. Se essas
obrigações ainda não se tornaram exigíveis (somente o serão com a convocação),
o fato de um preço registrado se tornar defasado em virtude de fato imprevisível
não trará qualquer consequência ao beneficiário, porquanto este não estará no
cumprimento de qualquer obrigação contratual. A leitura do art. 17 do Decreto
nº 7.892/2013 deve ser feita em conjunto com o art. 65, inc. II, alínea “d” da
Lei nº 8.666/1993 que ele próprio menciona. Como visto alhures, a revisão
somente será possível diante da presença conjunta de dois requisitos: (a)
imprevisibilidade do fato desequilibrador; e (b) gravidade suficiente para
impedir ou retardar a execução do contrato. Ora, mesmo que tenha ocorrido um
fato imprevisível e grave o suficiente para impedir a execução do contrato,
enquanto não vier a convocação da Administração, o beneficiário (lembrando que
ainda não podemos chamá-lo de contratado) não se encontrará em ruína, pois não
tem obrigações contratuais a adimplir e que seriam imediatamente impactadas
pelo fato extraordinário. Nada obstante, a redação turva do art. 17 do citado
regulamento, mais adiante, precisamente no art. 19, o normatizador se incumbiu
de descrever quais medidas deverão ser tomadas nos casos em que os preços
registrados passarem a não mais ser suportáveis pelo beneficiário. Senão
vejamos: Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços
registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador
poderá: I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação
ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se
confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e II – convocar
os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.
Parágrafo único. Não havendo êxito nas negociações, o órgão gerenciador deverá
proceder à revogação da ata de registro de preços, adotando as medidas cabíveis
para obtenção da contratação mais vantajosa. (Grifamos) De notar que o próprio
Decreto Federal não prevê a revisão (majoração) dos preços registrados, mas tão
somente a liberação do compromisso (de aceitar a convocação) assumido pelo
beneficiário. 6 de 9 Isso porque o reequilíbrio econômico financeiro pressupõe
a existência de contrato, no qual as partes estabelecem obrigações recíprocas,
cujo cumprimento obrigatório ( pacta sunt servanda) acaba se tornando
excessivamente oneroso para uma das partes ( rebus sic standibus), em virtude
de uma das ocorrências descritas no art. 65, inc. II, alínea “d”, da Lei nº
8.666/1993 (fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências
incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado; caso de
força maior ou caso fortuito; e fato do príncipe). Ora, enquanto não houver
obrigações para ambas as partes, não haverá encargos a serem igualados, o que
somente ocorrerá a partir da celebração dos contratos. Em se tratando de
registro de preços, no entanto, como o próprio legislador cuidou de prever
expressamente no art. 15, § 4º, da Lei nº 8.666/1993: a existência de preços
registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles
poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a
legislação relativa às licitações. Logo, a redação do art. 19 do Decreto nº
7.892/2013 não é defeituosa quando comparada com o art. 17 do mesmo
regulamento. Bem ao revés se mostra totalmente congruente com os fundamentos da
Teoria da Imprevisão e com a norma fundamental que o regulamenta. Este último
dispositivo serve ao fim de reconhecer que a Teoria da Imprevisão pode ser
aplicada nas atas de registro de preços, porém, a solução para tal ocorrência
não será a revisão do preço registrado, mas sim a liberação do compromisso
assumido, sem imposição de penalidade ao beneficiário. O Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo conta com farta jurisprudência nesse sentido. À guisa de
exemplo, confira-se: Na mesma linha, reputo improcedente a crítica que recaiu
sobre a vedação de reestabelecimento do equilíbrio financeiro prevista no item
3.1.2.1 do instrumento, uma vez que o entendimento jurisprudencial sobre o
assunto caminha no sentido de que “cláusulas de reequilíbrio da equação
econômica inicial do contrato não são admissíveis no sistema de registro de
preços, por não haver como se aplicar a teoria da imprevisão quando estamos a
tratar de Ata de Registro de Preços, e tampouco cabe à Administração o dever de
tutelar a manutenção do exato patamar de lucratividade relacionado a preços
registrados em Ata (conf. TC-2541/003/11, relatado pelo eminente Substituto de
Conselheiro Sammy Wurman; e TCs 282.989.13-6 e 414.989.13). (TCE/SP, TC nº
11987.989.16-7, Relator Conselheiro Renato Martins Costa) Também em harmonia
com esse modo de pensar, a Câmara Permanente de Licitações e Contratos da
Consultoria-Geral da União já apontava para essa conclusão no Parecer nº
00001/2016/CPLCA/CGU/AGU, cuja ementa ficou assim consignada: I –
Administrativo. Licitação. Ata de Registro de preços. Reajustabilidade.
Incidência dos institutos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.
Impossibilidade. [...] V – Não cabe reajuste, repactuação ou reequilíbrio
econômico (revisão econômica) em relação à Ata de registro de preços, uma vez
que esses institutos estão relacionados à contratação (contrato administrativo
em sentido amplo). VI – O fato gerador da manutenção do equilíbrio econômico
(reajuste, repactuação ou reequilíbrio econômico) deve ser reconhecido no
âmbito da relação contratual firmada, pela autoridade competente, sem
necessária interferência na Ata de registro de preços. (Grifamos) Mais
recentemente, a Advocacia-Geral da União voltou a se posicionar no mesmo
diapasão, reafirmando a tese da impossibilidade de aplicação do instituto da revisão
de preços registrados em atas, fazendo-o por meio do Parecer nº
00211/2020/CONJUR-CGU/AGU, que restou assim ementado:
ADMINISTRATIVO.
LICITAÇÃO.REGISTRO DE PREÇOS. ATA DE REGISTRO DE PERÇOS. TEORIA DA IMPREVISÃO.
PANDEMIA COVID-19. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DA ATA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Consulta sobre a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro da Ata
de Registro de Preços nº 17/2020, cujo objeto é o compromisso firmado entre a
Controladoria-Geral da União-CGU e a DATEN TECNOLOGIA LTDA para eventual
aquisição de Desktops, incluindo demais acessórios, com garantia técnica
on-site de 48 meses. 2. O instituto do reequilíbrio econômico-financeiro tem
aplicação na relação contratual, não sendo 7 de 9 extensível às Atas de
Registro de Preços. 3. Não é possível juridicamente a revisão econômica para
aumentar os valores registrados na Ata de Registro de Preços nº 17/2020, por
não ser aplicável à espécie o instituto do reequilíbrio econômico-financeiro,
bem como por não haver autorização nesse sentido no art. 19 do Decreto nº
7.892/2013. (CGU/AGU, 2020, grifamos) Importante frisar que compete ao
licitante formular sua proposta em condições de ser suportada pelo período de
vigência previsto em edital para a ata. No entanto, o que se tem visto é que as
licitações realizadas no Sistema de Registro de Preços vêm atraindo proponentes
com perfil oposto a esse. O mais das vezes, os licitantes mergulham no preço,
sabedores que não terão condições de suportá-lo pelo prazo de um ano e, logo
após a publicação da ata, passam a “vender” adesões a outros órgãos. Passados
poucos meses, alegam desequilíbrio para rever os preços registrados, ou
simplesmente se esgueirar do compromisso assumido. Sendo assim, é de se
reconhecer a incompatibilidade do instituto da revisão dos contratos com a ata
de registro de preços.
POSSIBILIDADE
REVISAR OS VALORES DOS CONTRATOS ORIUNDOS DAS ATAS DE REGISTRO DE PREÇOS
Todavia, o
mesmo não se dirá dos contratos celebrados com fulcro na ata. O art. 12, § 3º,
do Decreto Federal regente da espécie assim dispõe: “§ 3º Os contratos
decorrentes do Sistema de Registro de Preços poderão ser alterados, observado o
disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993”. Significa que, se o beneficiário
foi alçado à condição de contratado, encontrando-se no cumprimento da
obrigação, poderá sofrer as consequências danosas de um fato imprevisível que
cause onerosidade excessiva, fazendo jus à revisão dos preços contratados, o
que não causará qualquer reflexo na ata. Bom destacar que devem ser
considerados como contratados todos os beneficiários que foram convocados
formalmente pelo gerenciador ou participante. A formalização do ajuste que pode
dar ensejo à revisão observará os ditames do art. 62, caput, da Lei nº
8.666/1993 ou qual estabelece que o instrumento do contrato pode ser
substituído, entre outros documentos, pela nota de empenho. Como é cediço, o
beneficiário não pode recursar as convocações por parte do órgão gerenciador e
participante. Só tem poder de recusar pedidos de órgãos não participantes (“caronas”).
Assim, ao receber a nota de empenho (ou outro instrumento equivalente e com o
mesmo objetivo), o beneficiário passa a se ver diante da obrigação de entregar
os quantitativos nele mencionados, isto é, a relação jurídica que, antes, era
de compromisso futuro aperfeiçoa-se em uma relação contratual de execução
imediata. Sendo assim, a tão só emissão e recebimento da nota de empenho
caracteriza a contratação e pode viabilizar a revisão dos valores contratados,
conforme a AGU já se manifestou em hipótese análoga recente: ADMINISTRATIVO.
CONTRATO ADMINISTRATIVO. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. TEORIA DA
IMPREVISÃO. VARIAÇÃO CAMBIAL. ELEVAÇÃO DE CUSTOS. PANDEMIA (COVID-19). [...] 2.
O instituto do reequilíbrio econômico-financeiro tem aplicação na relação
contratual, não sendo extensível às Atas de Registro de Preços. 3. A assinatura
do Contrato, ao contemplar todos os itens registrados em Ata de Registro de
Preços – ARP, extinguiu os efeitos do compromisso antes definidos na ARP. A
relação passou a ser de natureza contratual, esta sim, passível de pedido de
reequilíbrio. A recomposição para restabelecimento do equilíbrio deverá se
centrar no Contrato, não na Ata. Impossibilidade de alteração da Ata. 8 de 9
[...] 10. Pela Possibilidade de revisão do contrato (recomposição) para
restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, observadas as
recomendações. Diante disso, forçoso reconhecer que é possível conceder o
reequilíbrio econômico, porém restrito ao que efetivamente foi contratado,
devendo ficar registrado que a eventual recomposição dos valores contratados
não terá qualquer reflexo na ata. CONCLUSÕES Diante do exposto, conclui-se: a.
É possível a aplicação da Teoria da Imprevisão nas atas de registro de preços.
b. Por não se tratar de contrato, descabe majoração dos preços registrados,
podendo, caso presentes os requisitos da imprevisibilidade do fato, bem como da
onerosidade excessiva a retardar ou impedir o cumprimento da obrigação de
entregar os quantitativos, liberar o beneficiário do compromisso assumido,
convocando os demais na ordem de classificação para negociação ou revogar a
ata. c. Caso o beneficiário tenha sido convocado, o valor do contrato oriundo
da ata poderá sofrer revisão, desde que preenchidas as condições anteriores,
mas sem causar qualquer reflexo nos valores registrados nas atas. REFERÊNCIAS
CGU/AGU. Parecer n. 00211/2020. 17 jul. 2020. Disponível em:
https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/46299. Acesso em: 20 out. 2021. JUSTEN
FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15.
ed. São Paulo: Dialética, 2012. 1 TCU, Acórdão nº 1.478/2007, Plenário, Rel.
Min. Valmir Campelo. No acórdão, ficou determinado que o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão revisse as regras para as adesões externas, o
que somente foi feito no ano de 2013, com a edição do Decreto nº 7.892/2013,
atualmente em vigor. 2 “Art. 37. [...] XXI - ressalvados os casos especificados
na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados
mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a
todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações.” (Grifamos) 3 “Art. 3º Os contratos em
que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou
corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com
ela não conflitarem, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. § 1 o A
periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será
contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a
que essa se referir.” 4 Lei nº 8.666/1993, art. 15, § 3º, inc. III. Como citar
este texto: CHAVES, Luiz Cláudio de Azevedo. A teoria da imprevisão e a
(im)possibilidade jurídica de revisão dos preços registrados em ata de registro
de preços da Administração Pública. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 11 nov.
2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd mmm. aaaa.